“CNJ, Gênero e Raça” foi tema de mesa de trabalho de Colóquio do FJ
A “Mesa de Trabalho: CNJ, Gênero e Raça”, realizada virtualmente na última quarta-feira (15/06), abordou pesquisas e políticas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para expor desafios e avanços desse órgão no enfrentamento à violência e na promoção da igualdade racial e de gênero no sistema de justiça.
Promovido pelo projeto “ColetivAmente: Diálogos de mulheres do Sistema de Justiça”, do FJ, em parceria com Projeto de pesquisa e Extensão DIGNA da UNIRIO, o evento encerrou o ciclo de atividades preparatórias para o Colóquio “Sistema de Justiça e Sociedade: marcos para a redemocratização do Brasil”, que celebra os dez anos do FJ.
Professora da UNIRIO e integrante do FJ, Ana Paula Sciammarella mediou a mesa que contou com integrantes da academia, do judiciário e dos movimentos sociais, que lançaram luz sobre principais dificuldades do sistema de justiça de lidar com os temas gênero e raça, e como o CNJ pode tornar o engajamento nessas temáticas maior, e mais permeável à participação da sociedade civil.
A primeira expositora, a magistrada Mariana Yoshida, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, falou da trajetória da pesquisa na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) sobre participação feminina no CNJ. Ela lembrou que das 106 vagas do CNJ já ofertadas, apenas 23 foram ocupadas por mulheres, cerca de 21% do total, e nenhuma mulher negra. Em todo o Brasil, lembrou, há cerca de 39% de juízas mulheres. Outro ponto que ela ressaltou foram as dificuldades de trabalhar o tema raça em pesquisas da magistratura, devido à ausência de dados, inviabilizando durante muitos anos a pressão para que o judiciário enfrentasse o problema. Das 23 conselheiras, a pesquisa sugere que 22 são brancas por heteroidentificação, pois não há dados oficiais a esse respeito.
A pesquisa está no momento de análise das biografias das conselheiras com o objetivo de verificar o tipo de participação feminina indicada para ocupar o CNJ, quem são essas mulheres e como chegaram a ocupar esse cargo.
Oficial de Incidência Política do Instituto Internacional de Direitos Humanos Raça e Igualdade, a advogada Adriana Avelar também ressaltou a problemática da falta de dados sobre a questão raça e gênero. Sobre a questão racial, pontuou que, apesar do arcabouço legislativo, o judiciário demorou a adotar medidas de promoção da equidade racial em suas instituições. Adotou política de cotas somente em 2014, quando eram 88% de juízes, e 16% negros. Ela lembrou que ainda assim, o número de magistrados/as subiu para 18% em 2018. Adriana destacou que nos Estados Unidos há mais mulheres negras na magistratura do que no Brasil, sendo que lá a população negra é de cerca de 30% e aqui de mais de 50%.
A pesquisadora destacou a relevante mobilização do movimento negro de magistradas e magistrados que se articulou para que o sistema de justiça começasse a enfrentar a questão com uma agenda definida.
A pesquisadora Myllena Calasans falou da sua experiência como integrante do Consórcio Lei Maria da Penha e do Cladem e do percurso de luta e pressões, marcado por vários obstáculos impostos pelos detentores do poder dentro do judiciário. Lembrou que a Lei Maria da Penha foi criada logo após o CNJ (2003), em 2006, representando um marco de impulsionamento na discussão de gênero no sistema de justiça.
Entretanto, lamentou que a participação do movimento nesse espaço caminhe a passos lentos, com avanços e retrocessos, cujas ações ficam à mercê da presidência de turno e não de uma política institucional. A ativista contou que o CNJ nunca realizou uma audiência pública para ouvir o movimento de mulheres sobre questões que estão sendo mudadas na Lei Maria da Penha, por exemplo, sem nenhum diálogo com a diversidade do movimento. Sugeriu que cabe ao ativismo social pressionar coletivamente para a institucionalização dessa agenda com mecanismos claros para a continuidade de políticas sem que dependa de quem está à frente.
A última expositora a falar foi Fabiana Severi, professora e pesquisadora da USP, que analisou as políticas judiciárias de enfrentamento à violência doméstica. Lembrou que assim como o CNJ, a Lei Maria da Penha sofreu resistência de outros atores, citou alguns acúmulos positivos, mas que a falta de homogeneização de processos faz com que juízes/as interpretem a lei a seu modo.
Outro ponto crítico, de acordo com a pesquisadora, é a administração autárquica do judiciário, uma espécie de captura das iniciativas progressistas por um ativismo corporativista do 1º grau, em que juízes/as de primeiro grau interpretam leis a partir do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que tem mais força de lei que a própria legislação.
Na análise das expositoras, um dos pontos urgentes a serem superados diz respeito às regras para ingresso na magistratura, criadas para a manutenção de castas, em que homens brancos continuam sendo privilegiados e exercendo o poder. Foi unânime a afirmação de que a política de cotas implementada isoladamente não otimiza por si só esse espaço social e que além disso precisam ser aperfeiçoadas para serem eficazes. Foram dados exemplos de que quando há ações complementares como financiamento para alunos cotistas estudarem para concursos e regras mais inclusivas nos critérios de avaliação, os resultados são muito positivos.
Concluíram que para essas e outras recomendações saírem do papel é fundamental mecanismos que incrementem a participação da sociedade civil organizada nesses espaços de decisão e elaboração de políticas judiciárias.
O Colóquio é uma realização do FJ, com a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), Associação Nacional dos Procuradores do Brasil (ANPR), ONG Criola, pela Plataforma JUSTA, Plataforma da Reforma do Sistema Político e o Instituto de Pesquisa Direito e Movimentos Sociais (IPDMS). Saiba mais, clicando AQUI.