Fórum Justiça

Colóquio “Sistema de Justiça e Sociedade: marcos para a redemocratização do Brasil” encerra ciclo de atividades

30/06/2022
Democratização do Sistema de Justiça

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O Colóquio “Sistema de Justiça e Sociedade: marcos para a redemocratização do Brasil” encerrou seu ciclo de atividades na última semana com duas sessões virtuais transmitidas pelo canal do YouTube do FJ, que congregaram as discussões e proposições das oficinas e mesas de trabalho sobre atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em relação à participação social e à política judicial.

A primeira sessão tratou do “Conselho Nacional de Justiça e Sociedade Civil”, no dia 20/06, com as exposições da professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek e da coordenadora da Plataforma Justa, Luciana Zaffalon.

Os convidados Conrado Hubner Mendes (USP) e Vilma Reis (Ativista em direitos humanos) não puderam comparecer por motivos de saúde. 

Foi consenso nas oficinas e mesas de trabalho e em ambas as sessões que encerraram o Colóquio a precária participação popular, quando não nula, no CNJ.  

Luciana Zaffalon acrescentou que a baixa regulamentação das regras de indicação de conselheiras/os no Congresso torna esse processo pouco transparente. Foram exemplificadas algumas falhas nesse sentido, como a falta de editais, regulamentação e de prazo definido para abertura de processo de eleição dos conselheiros e conselheiras e da impossibilidade de impugnar candidaturas.

Zaffalon comentou que, ao todo, de 11 cidadãs/os indicadas/os pelo Legislativo, apenas uma foi mulher, sendo a maioria membros do legislativo, filhos de ministros do Poder Judiciário. Além disso, as poucas normativas existentes são regras gerais que permitem votação secreta e prática do nepotismo, como a regulamentação  n°7/2015 do Senado, que nem menciona o próprio CNJ.

Maria Tereza Sadek pontuou que a instituição judiciária, como um todo, é muito distante da população, composta majoritariamente por homens brancos, que atende a interesses corporativistas e da minoria dominante.

Sadek levantou algumas ações importantes realizadas pelo CNJ, como a produção de dados e mecanismos para aumentar a transparência da atuação do Poder Judiciário, mas lamentou a enorme resistência dos tribunais às resoluções do conselho, que acabam não sendo cumpridas. Para ela, apesar de pesquisas relevantes produzidas pelo órgão, estas têm pouco impacto. O foco do CNJ na produtividade foi outro ponto levantado por Sadek, o que não se traduz na qualidade do acesso à justiça e força a que um/a juiz/a da vara da infância e juventude, por exemplo, tenha a mesma agilidade que um/a da vara fiscal, com temas e complexidades tão distintos.

A sociedade civil organizada precisa se articular de maneira mais enfática para forçar e pressionar o desenho dos temas propostos pelo CNJ, declarou ela.  

Ambas as expositoras citaram como exemplo de sucesso da luta da sociedade civil organizada a ouvidoria externa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com eleições transparentes, critérios claros e participação popular nas indicações de integrantes.

Zaffalon citou a reflexão da coordenadora do FJ, Rosane Lavigne, que defende a articulação dos movimentos junto a integrantes do sistema de justiça, que têm carreiras vitalícias e podem implementar e garantir políticas duradouras e permanentes. Por outro lado, Sadek ponderou que esse assunto precisa ser melhor discutido, e que esses cargos precisam sofrer modificações para que não haja privilégios como aposentadoria compulsória com salário integral quando juízes/as são punidos/as. A pressão social e o diálogo com integrantes do judiciário mais abertos/as para essa discussão são fundamentais, argumentou a professora. 

2ª Sessão

A segunda sessão teve como tema “Conselho Nacional de Justiça e Política Judicial” e encerrou o colóquio,  em 27/06. A jurista Deborah Duprat e o jurista Paulo Abrão expuseram suas experiências e reflexões acerca da temática, com a mediação do procurador Júlio Araújo (MPF). O representante da ONG Conectas, Gabriel Sampaio e o defensor público Renato Campos Pinto de Vitto (DPSP) não puderam participar por motivos de força maior. 

Débora Duprat lembrou que foi uma das entusiastas da criação do CNJ em 2005, mas que devido à configuração equivocada do órgão, a participação das pessoas afetadas pelas políticas públicas de direitos humanos e de acesso à justiça foi obstaculizada nos espaços decisórios. Segundo ela, as pautas do conselho são orientadas pela percepção de cada presidente de acordo com suas agendas pessoais.

Ela citou vários casos em que projetos não têm continuidade devido à troca de gestões e mencionou resoluções elaboradas sem nenhuma participação popular. Esse panorama é reflexo de um Poder Judiciário que representa as oligarquias do país, afirmou Duprat, dando como exemplo os grandes latifundiários, que conseguiram paralisar a reforma agrária por meio de ações na justiça. Em termos de política judiciária, pontuou a jurista, o CNJ não consegue influenciar o judiciário em praticamente nada. Assim como Sadek, na primeira sessão, Duprat criticou a medida do CNJ de estabelecer metas quantitativas dos processos, ferindo processos de maiores complexidades, como disputa por terra, indígenas e despachos. 

A jurista também abordou a violência no campo,  citando que o Conselho possui um grande acervo de dados sobre a questão, e em 2009 criou o Fórum de Assuntos Fundiários – institucionalizado em 2010-  para monitorar as questões de reintegração de posse. No entanto, o Fórum foi descontinuado, e em visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil em 2018, foi constatado que os níveis de resolução dos crimes ocorridos no meio rural continuavam baixíssimos, como no período anterior à criação do Fórum. 

Só a pressão social, argumentou ela, terá capacidade de transformar o conselho em um órgão paritário, com mecanismos que garantam indicações de representantes dos vários setores da sociedade civil organizada.

Paulo Abrão citou alguns padrões internacionais que orientam boas práticas  por parte do judiciário de redistribuição, reconhecimento e participação popular no sistema de justiça, potencialidades para a efetivação de políticas públicas antirracistas, de gênero, desencarceradoras, de transparência e outras. Entretanto, o jurista argumentou que o judiciário brasileiro é um dos que menos internaliza tratados internacionais de direitos humanos em suas práticas e decisões. Ao citar cortes como as da Argentina, Bolívia, Chile, Peru e México em que se criaram vinculações e execuções imediatas e obrigatórias das estruturas estatais e mecanismos nacionais de seguimento/cumprimento de decisões/resoluções internacionais, ele defendeu a necessidade de jurisprudência mais sólida dentro do STF. 

Para Abrão, que liderou a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) de 2010 até 2014, é preciso descolonizar o sistema de justiça brasileiro, que ainda hoje reflete todo o conjunto de preconceitos de raça, de gênero e de classe, produzindo cenários de exclusão sistemática do acesso à justiça como garantia de direitos humanos. O foco do Poder Judiciário nacional tem sido desde sua formação a resolução de processos mais vinculados a questões patrimoniais. A advocacia em geral, pontuou, deve incorporar os standards jurídicos internacionais nas fundamentações de suas sentenças junto ao Poder Judiciário, prática pouco comum no Brasil. 

Duprat concordou com os posicionamentos do colega e acrescentou que o CNJ reproduz e potencializa as mazelas do judiciário brasileiro e enquanto houver participação periférica da sociedade nesse espaço pouco ou nada será alterado. Ela citou casos envolvendo a Lei Maria da Penha e de atingidos por barragens que foram arquivados 

De acordo com Abrão, a sociedade civil organizada deve continuar a explicitar parte dessas contradições e conquistar algumas pequenas vitórias, embora a conjuntura atual seja a mais desfavorável para mudanças emancipatórias, devido ao desmonte de políticas públicas, mecanismos e órgãos de defesa e promoção de direitos humanos. Para isso, é importante forçar a criação de processos de audiência, de escuta, grupos de trabalho, criar constrangimentos, neutralizar as piores decisões

Outro ponto ressaltado no encontro e também abordado nas oficinas e mesas de trabalho preparatórias, foi a urgência de se democratizar o acesso a carreiras no sistema de justiça e  pressionar para que o CNJ crie resoluções que facilitem o acesso a concursos públicos e carreiras do sistema de justiça. O integrante do FJ, Vinícius Alves fez um balanço das últimas discussões e de proposições apresentadas nas atividades anteriores, como a regulamentação do processo de escolhas de conselheiros/as, a previsibilidade normativa, inclusão da sociedade civil na indicação da lista tríplice, financiamento de cotistas para se prepararem para os concursos públicos, revisão das normas das bancas para inclusão membros além de juristas. Também citou falas sobre a captura do CNJ por jogos políticos e corporativos na seleção de seus integrantes, uma cultura fortemente presente nas estruturas do sistema de justiça.

Uma proposta feita por Abrão foi a criação de uma sistema aberto com as resoluções do CNJ de todos os estados da Federação, que possa ser alimentado pela sociedade civil e atores/as do sistema de justiça, com monitoramento da implementação dessas resoluções em relação a cada tema e estado, para que haja prestação de contas e análise da qualidade – gerando estratos de muitas informações e confrontando declarações normativas. Esta serviria como ferramenta adicional de trabalho para forçar uma efetiva implementação dessas resoluções. 

Sobre o Colóquio 

O projeto foi pensado dentro do escopo do aniversário dos 10 anos do FJ, a fim de estimular os debates e proposições de democratização do poder judiciário no país. Durante o primeiro semestre de 2022, promoveu oficinas e mesas de trabalho com acadêmicas/os, integrantes da sociedade civil organizada e operadoras/es do direito que se debruçaram sobre o tema com foco no CNJ.

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