Fórum Justiça

[Gênero] Aprovação da Lei da Alienação Parental: o que significa?

21/11/2011

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Ana Liési Thurler
Filósofa e socióloga, integrante do Fórum das Mulheres do DF

O PL 4.053, apresentado em 07.10.2008, pelo Dep. Régis de Oliveira (PSC-SC), teve tramitação rápida, com insuficiente exame de seu conceito-chave: a alienação parental. Poucos dias após a morte da menina Joanna Cardoso Marins, mártir da alienação parental, em 13 de agosto – caso jogado para os bastidores do Judiciário -, o PL se transformou na Lei 12.318. Por que tanta pressa?

Segmentos do setor jurídico importaram o conceito de alienação parental, forjado pelo norte-americano Richard Gardner (1931-2003), sem pesquisa sistemática ou validade científica, em um quadro de defesa do incesto e da pedofilia¹ . Para ele, o abuso sexual não seria necessariamente traumatizante e relações sexuais entre adultos e crianças fariam parte do repertório natural da atividade sexual humana. Segundo Gardner, a sociedade teria uma postura punitiva e moralizadora em relação às pulsões pedófilas. Transformando vítimas em rés, ele não hesita em transferir responsabilidades para as crianças que tomariam iniciativas eróticas e seduziriam os adultos.

Infelizmente esse conceito foi incorporado no Brasil, na contramão de rejeições internacionais: do Canadá e da França, de países da América Latina² e dos EUA. Lá, a Organização Nacional para Mulheres (NOW) incluiu entre as Resoluções de sua Conferência Nacional de 2006 posicionamento sobre esse conceito³ , condenando o recurso à Síndrome da Alienação Parental (SAP), qualificada de síndrome desacreditada que favorece os agressores de crianças nos litígios de guarda. A NOW recomenda a todo profissional cuja missão envolva a proteção dos Direitos das Mulheres e das Crianças denunciar a utilização da SAP como perigosa e contrária à ética.

São do Rio Grande do Sul a jurisprudência4 da SAP, as relatorias no Congresso Nacional: de Maria do Rosário (PT-RS), do PL 4.053, na Câmara Federal; de Paulo Paim (PT-RS) e Pedro Simon (PMDB-RS), do PLC 20/2010, no Senado Federal. Com toda certeza nenhum dess@s parlamentares pretenderiam a pedofilização do país. Por que assumiram bandeira tão grave para os direitos das crianças e das mulheres? Por precariedade de informações e de debates com a sociedade? Por pressão de lobbies insensíveis à revitimização de crianças e mulheres, interessados na mercantilização da Justiça?

A disseminação da SAP aconteceu com denúncias de abuso sexual infantil na classe média e alta, entre segmentos com recursos econômicos para arcar com advogadas/os e peritas/os, cúmplices da dominação patriarcal. Lembremos que o acesso à Justiça não é garantido de forma igualitária a homens e mulheres. No Brasil, 65% das mulheres no mercado de trabalho ganham até 2 salários mínimos. Os homens representam 80% entre os que ganham mais de 20 salários mínimos.

Com os papéis sexuais, secularmente construídos, as mulheres ainda são as cuidadoras, mesmo nas famílias na mais santa paz. Alguns homens começam a quebrar estereótipos, mas são minoria. As mulheres são quase a totalidade das cuidadoras nas famílias monoparentais.

A Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010) em seu artigo 2º anuncia seu foco: “um dos genitores (…) que tenha a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda, vigilância”. Pretenderia considerar o universo “genitores” assexuadamente, mas essa expressão, a partir da realidade social, deve ser compreendida sexuadamente: são as “mães”quem detêm a guarda em mais de 95% dos casos. E são elas apresentadas como naturalmente imaginativas e mentirosas.

É necessário considerar que a alienação parental:

• trabalha em prol do mito do implante de falsas memórias de abusos sexuais e violências;
• revitimiza crianças ao afastá-las da genitora protetora, o que é, algumas vezes, fatal para essas crianças;
• apaga trajetórias de agressões do pai – contra a mãe ou a criança -, autorizando o aparelho judiciário a entregar a criança a um pai com histórico de violência;
• constitui-se em instrumento de deslegitimação do testemunho da mãe e da criança.

No Brasil, a democracia e os Direitos Humanos nada ganharam com a escassez de debates na tramitação da Lei da Alienação Parental. Ao contrário, sua lastimável aprovação, significa mais uma lei reforçando a misoginia em nossa cultura, criminalizando as mulheres. Além de tornar possível mais casos trágicos como o da menina Joanna Marins, em que pais negligentes ou violentos obtêm a guarda total das crianças, separando-as das mães, causando-lhes graves danos.

(1) Link sugerido para mais informações: http://pedophileophobia.com/Richard%20Gardner.htm
(2) Veja o site argentino: http://www.abusosexualinfantilno.org/
(3) “Guiando a Custódia e Avaliações de Visitas em Casos de Violência Doméstica: um Guia para Juízes”, publicado pelo Conselho Nacional de Corte de Juízes Juvenis e de Família, edição revisada de 2006. (www.now.org/organization/conference/resolutions/2006.html?printable)
(4) A partir de alguns acórdãos: www.alienacaoparental.com.br/jurisprudencia-sap)

Ana Liési Thurler é filósofa e socióloga, integrante do Fórum das Mulheres do DF. É autora de “Em nome da mãe: o não reconhecimento paterno no Brasil” 368p. – 2009, disponível em http://www.abrasco.org.br/ e em http://www.editoramulheres.com.br/

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