Fórum Justiça

Terra de Direitos – 10 anos! A assessoria jurídica popular na luta pelos direitos humanos

26/06/2012

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“A justiça é o pão do povo. Assim como o outro pão,
Deve o pão da justiça ser preparado pelo povo:
Bastante, saudável e diário!”
(Bertold Brecht)

No dia 15 de Junho de 2002, na cidade de Curitiba/PR, nascia a Terra de Direitos, organização de direitos humanos gestada no seio das lutas sociais, com a missão de se somar ao combate das violações de direitos humanos, em especial a criminalização dos movimentos sociais.

Completamos hoje 10 anos de uma intensa caminhada que compartilhamos com todos os movimentos, organizações, entidades e pessoas parceiras nestes anos de luta, reflexão e conquistas.

Em tempos de intensa mobilização social, no ano de 2002 a luta por direitos fazia-se acompanhar da ascensão da violência e criminalização contra defensoras e defensores de direitos humanos. Cravada na origem e na essência da organização, a assessoria jurídica popular constituiu-se como o elemento característico de uma atuação que se consolidou na medida da interação entre o instrumental jurídico e político, voltado para o avanço dos direitos humanos, e o combate à criminalização dos movimentos sociais.

Percorrida uma década de envolvimento na luta pela terra e territórios de comunidades tradicionais, na defesa da biodiversidade, dos direitos dos camponeses e do direito à cidade, além da construção de experiências voltadas à democratização da justiça no Brasil, é com satisfação que celebramos com as amigas e parceiros este momento de reflexão, e oportunidade para celebrar!

Nossos sinceros agradecimentos a todas e todos aqueles que contribuíram para a construção da nossa organização nestes 10 anos de trabalho cotidiano, desde o Paraná, Pernambuco, Pará e Brasília. Reafirmamos, neste dia, a convicção na luta do povo brasileiro, e o compromisso com os princípios éticos e políticos que norteiam a caminhada rumo à efetivação dos direitos humanos no Brasil.

Equipe da Terra de Direitos

10 anos de história, e luta pelos direitos humanos

No início de 2001, o Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio, realizado no Paraná, considerou o governo do estado culpado pela ação e omissão em casos de violência no campo. A denúncia contra o estado somava ao assassinato do agricultor Antonio Tavares, na BR-277, uma dezena de casos de violência contra trabalhadores rurais sem terra cometidas durante o governo de Jaime Lerner.

O Paraná de dez anos atrás vinha de um longo período de violência contra os movimentos sociais do campo. A luta pela reforma agrária no estado era intensa. Em contrapartida, a elite do agronegócio e políticos locais agiam de forma criminosa, oprimindo o movimento popular no campo através da aliança entre repressão estatal e milícias privadas, em crimes até hoje impunes. Na capital, eram diversos conflitos fundiários urbanos, com despejos forçados e privação do direito à cidade, colocando em cheque a fama curitibana de “cidade modelo” do planejamento urbano.

Esse contexto de conflitos e intensa violação de direitos no campo e na cidade marca a origem da Terra de Direitos, fundada em 15 de junho de 2002. Desde o início da sua atuação, a organização teve como eixo central a defesa dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

O pastor Werner Fuchs, na época assessor nacional de formação da CPT, militou nesse contexto e acompanhou o processo de criação da Terra de Direitos. Da vivência com os trabalhadores sem terra, Fuchs lembra que a assessoria jurídica popular era uma demanda sempre presente no movimento social: “A CPT sempre viu a necessidade da assessoria jurídica e buscava atuar nesse sentido, mas não havia o acompanhamento técnico dos processos, os próprios grupos tinham que buscar [ajuda jurídica]”.

Nas recordações do pastor, o Tribunal dos Crimes do Latifúndio teve papel relevante para a fundação da organização: “Foi um evento nacional, com convidados de vários estados. O Tribunal ajudou a preparar e mostrou a necessidade da criação da Terra de Direitos”. O volume de demanda da época se expressa no número de processos: nos primeiro anos de trabalho, a Terra de Direitos acompanhava cerca de 180 processos judiciais relacionados à questão de conflitos pela terra.

A assessoria jurídica popular constitui o elemento característico da atuação, que se consolida na medida da interação entre o instrumental jurídico e político no combate à criminalização dos movimentos sociais, focado no avanço dos direitos humanos no Brasil. Maria Izabel Grein, integrante da coordenação do MST, faz uma leitura sobre a atuação da Terra de Direitos que aponta para o significado prático da assessoria jurídica popular. Para a dirigente, a organização exerce um papel relevante por orientar e acompanhar juridicamente os movimentos, ajudar na reflexão e intervenção em grandes debates, e por assumir posicionamentos que contribuem para o avanço das pautas dos movimentos.

Optar pela assessoria jurídica popular como método de trabalho leva à atuação conjunta com os movimentos sociais, princípio fundamental da organização, determinado desde sua origem. “Neste tempo de atuação, a Terra de Direitos tem estado junto aos movimentos sociais cumprindo uma função importante, pois as pessoas mais pobres são justamente as que têm mais dificuldades de acessar a justiça”, avalia a integrante do MST.

Desta atuação no combate à crimininalização dos movimentos sociais, e tendo vista o foco da transformação do acesso à justiça em prol dos defensores de direitos humanos, a Terra de Direitos é convidada, no ano de 2006, a estender sua atuação para a região Nordeste, com um escritório no estado de Pernambuco. Intensos anos de luta partilhados com os camponeses, quilombolas e organizações de direitos humanos pernambucanas.

Na luta pela terra, a criminalização dos movimentos sociais foi sempre acompanhada do combate à violência contra defensores de direitos humanos. Somando-se à sua luta, contribuindo ao longo dos anos no tema da proteção aos defensores de direitos humanos no Norte do país, a Terra de Direitos aceita o desafio de consolidar a sua contribuição na região, implantando, no ano de 2009, um escritório na cidade de Santarém/PA, região amazônica que apresenta diversos conflitos fundiários indígenas, quilombolas.

A construção dos caminhos da assessoria jurídica popular nas questões agrárias, urbanas, e da biodiversidade, em parceira com a Rede Nacional de Advogadas/os Populares, a Plataforma Dhesca, Rede Desc Internacional, dentre outras articulações de direitos humanos, levou a Terra de Direitos a dar início, no ano de 2008, a um processo de debates sobre as tendências e estratégias da dimensão jurídica da luta pelos direitos humanos.

Desse modo, o olhar sobre o acesso à justiça, bem como a relação entre o sistema de justiça e os direitos humanos passaram a figurar dentre as preocupações estratégicas da organização. Diante da necessidade de superar entraves no campo da litigância estratégica, um conjunto de ações foram planejadas com o objetivo de avançar na democratização da justiça, por meio da construção de mecanismos de monitoramento e participação social na política de justiça do país.

O resultado do trabalho conjunto com outras organizações foi a criação da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), lançada em outubro de 2011, com o objetivo de fortalecer o monitoramento e incidência no judiciário. Também como resultado da atuação no campo da política de justiça, a Terra de Direitos estende no mesmo ano a sua atuação para o planalto central, implantando uma representação em Brasília/DF.

Para além da defesa do meio ambiente: a defesa da biodiversidade

O debate sobre questão das sementes, dos agrotóxicos e das transnacionais entrou nos temas de atuação da Terra de Direitos já nos primeiros anos, no eixo “Meio Ambiente”, que mais tarde passou a ser chamado “Biodiversidade e Soberania Alimentar”. Maria Rita Reis, assessora jurídica Terra de Direitos que contribuiu para a consolidação do trabalho no eixo, hoje conselheira da organização, lembra que a atuação foi orientada pelas conjuntura nacional e principalmente a partir das demandas dos movimentos sociais, como o Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) e movimentos ligados à Via Campesina.

As Jornadas de Agroecologia, realizadas pela Via Campesina desde 2002, foram momentos importantes para a definição dos temas estratégicos, de onde saíram intervenções com relação aos transgênicos e agrotóxicos. Também a realização em 2006 da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP-8), em Curitiba, marcou a entrada do tema biodiversidade como eixo de atuação na Terra de Direitos. Na resistência às sementes transgênicas, em 2007 a Terra de Direitos, em parceria com outras organizações, moveu uma Ação Civil Pública contra a liberação do plantio de milho transgênico no Brasil, conquistando a suspensão do plantio até 2009.

Um momento emblemático na história da luta em defesa da biodiversidade foi ocupação da área da Syngenta no Paraná por integrantes da Via Campesina, em 2007. Durante uma tentativa de despejo, Valmir Mota de Oliveira, o Keno, foi assassinado por uma milícia contrata pela empresa. O martírio de Keno simboliza a luta em defesa da biodiversidade no Brasil.

Na região Norte do país, a luta social vem enfrentando grandes batalhas no contexto de construção de grandes obras, hidrelétricas, portos graneleiros, exploração dos recursos naturais, monoculturas de grãos e pecuária que ameaçam comunidades tradicionais e indígenas e colocam em risco a biodiversidade. Esse cenário exige ainda mais a organização, a participação e o empoderamento dos povos para exigir efetivação de direitos e melhorias nas condições de vida. Nesse sentido, a Terra de Direitos vem trabalhando na amazônia em articulação com movimentos e organizações da região para contribuir com a luta das comunidades, trabalhando no acesso à justiça e intervindo nos debates sobre o avanço do chamado capitalismo verde e os seus efeitos sobre o território nacional.

O Desafios na proteção dos defensores de direitos humanos em tempos de criminalização dos movimentos sociais

Incomodar os poderes políticos e econômicos responsáveis por violações de direitos humanos custa ameaças, violência ou mesmo a vida de defensores de direitos humanos. A cada ano, novos crimes chamam a atenção para a necessidade de se avançar na construção de uma política eficiente para a proteção de defensores de direitos no Brasil.

“Tanto as pessoas quanto as organizações que lutam e trabalham por direitos humanas têm sido criminalizadas. Toda vez que desenvolvem seus trabalhos e lutas sofrem ataques e ameaças”, é o que avalia um dos fundadores da Terra de Direitos, Darci Frigo, também com experiência nesse tema pelos anos de atuação na CPT. Segundo Frigo, o trabalho com defensores de direitos humanos foi escolhido pela Terra de Direitos pelo papel imprescindível que cumprem: “Sem defensores de direitos humanos e organizações voltadas para essa atuação nós não vamos avançar na garantia dos direitos humanos no Brasil”.

No histórico dos passos dados no sentido de garantir a proteção de defensores/as ameaçados/das, está a criação do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, em 2004, do qual a Terra de Direitos passa a fazer parte. O Comitê reúne hoje cerca de 30 organizações não governamentais e movimentos sociais, tendo como principal ação a produção de uma avaliação anual da realização do Programa Proteção dos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), lançado em 2004 2004 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH).

Em 2006, Terra de Direitos recebeu o prêmio Dorothy Stang – Defensores de Direitos Humanos, da SDH, pela atuação no tema e contribuição na criação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, lançado no qual a Terra de Direitos, junto com outras organizações, compõe a coordenação nacional, pela sociedade civil.

O boletim “Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos no Brasil”, lançado em 2010 pela Terra de Direitos e Justiça Global, aponta desafios para a efetivação do PPDDH: acelerar a aprovação do Projeto de Lei 4575/2009 regulamenta o PPDDH como política de Estado; o combate às causas das ameaças, em geral ligadas a conflitos no campo; promover campanhas sobre os defensores de direitos humanos para informar a sociedade sobre o seu papel; a proteção policial; capacitação técnica e política aos atores envolvidos na proteção.

Luta pelo direito à cidade na capital da contradição

Déficit habitacional e carência nos serviços públicos x supervalorização das terras e segregação das famílias de menor renda no acesso à moradia e à cidade. Os trabalhadores já viviam esse dilema em Curitiba há 10 anos, e, apesar das iniciativas governamentais para acesso à moradia e da fama de “capital modelo” permanecer, pouca coisa mudou.

Com o olhar voltado para as contradições da capital, a Terra de Direitos iniciou a atuação na questão urbana já no primeiro ano de fundação, apesar de ter a origem bem marcada na luta camponesa. “Embora a questão urbana não fosse central na agenda de atuação inicial da Terra de Direitos, ela emergiu e sempre se fez presente, de forma responsável e democrática”, avalia Rosa Moura, pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES, que acompanhou de perto as ações da organização nesse tema naquele período.

Para Rosa Moura, a Terra de Direitos assumiu papel importante enquanto secretaria executiva do Observatório de Políticas Públicas Paraná, em 2003, na construção da 1ª Conferência da Cidade de Curitiba. A partir da articulação com outras entidades e movimentos, houve a possibilidade da convocação da Conferência pela sociedade civil, um avanço significativo em tempos de “grande silêncio” em termos de mobilização social, de acordo com a pesquisadora.

Em 2007, a atuação conjunta a outras organizações também contribuiu de forma decisiva na realização do projeto “Direito e Cidadania”, que teve como objetivo central a regularização fundiária do Sabará, vila da Cidade Industrial de Curitiba. Além de entrar com uma ação de usucapião coletiva para regularização dos lotes, o projeto contribuiu no empoderamento dos moradores e no fortalecimento da organização popular local. A experiência foi escola para estudantes e militantes recém chegados no debate do direito à moradia e na prática da assessoria jurídica e educação popular. Em 2011, o projeto teve reconhecimento nacional ao conquistar o Prêmio Innovare na categoria “Advocacia”, com a temática “Justiça e Inclusão Social”.

Assim como no Sabará, a Terra de Direitos atuou e segue contribuindo na defesa dos direitos de comunidades de Curitiba e Região Metropolitana, jurídica e politicamente. Também participa de forma atuante no Comitê Popular da Copa em Curitiba e na Articulação Nacional dos Comitês, que têm denunciado irregularidades e violações aos direitos humanos cometidas em nome dos megaeventos.

10 anos de história, dezenas de vozes e opiniões
Em 10 anos de história muitas pessoas, vozes e opiniões cruzaram o caminho da Terra de Direitos, em diversos momentos e espaços. Ao longo deste ano, esta história será contada com toda esta riqueza de contribuições.

15.06.2012

http://terradedireitos.org.br/biblioteca/terra-de-direitos-10-anos-a-assessoria-juridica-popular-na-luta-pelos-direitos-humanos/

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