NOTA DO FÓRUM JUSTIÇA NO CEARÁ SOBRE A PORTARIA DE CRIAÇÃO DE CADASTRO DE ADVOGADOS PARA EXERCER AS FUNÇÕES DE DEFENSOR PÚBLICO
O Fórum Justiça, vem, por meio desta nota, manifestar sua discordância ao grave equívoco e inconstitucionalidade da portaria que cria cadastro de reserva para que advogados exerçam as funções de defensores públicos.
O ato padece de grave inconstitucionalidade, clara e evidente, com ofensa à Defensoria Pública, à regra do concurso público, ao Estado democrático de direito, as garantias e os direitos da população, bem como desconsidera todas as decisões do STF, adotando uma saída muito mais dispendiosa financeiramente. A advocacia, também essencial à administração da justiça tem seu papel na defesa de direitos da sociedade. Contudo, institucionalmente, este papel cumpre à Defensoria Pública.
Nos termos da Constituição Federal somente após a aprovação em concurso público de provas e títulos se pode exercer as funções defensoriais, sendo vedado o exercício da advocacia pelo defensor público. Assim, muito claro está que a função do Defensor Público, remunerada pelo Estado, não pode ser transferida a nenhum advogado, salvo aquele que tenha passado em concurso público específico para esta finalidade. Por vezes, as instituições podem e devem trabalhar em parceria em prol da sociedade, sem isto significar a substituição de uma atuação por outra.
Assim a assistência jurídica integral e gratuita, aos necessitados, paga pelo Estado, somente a Defensoria Pública pode exercer, com todas as suas garantias, prerrogativas e vedações que são peculiares a esta Instituição autônoma sem vinculação ao executivo ou qualquer esfera de poder.
Nas palavras do Ministro Ayres Britto “Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário”. (Ministro Carlos Ayres Britto-ADI 3.700).
Além de inconstitucional por ofensa a regra do concurso público, à autonomia da defensoria pública, por desrespeito à função Institucional da Defensoria Pública, também o é inconstitucional porque somente lei complementar pode estabelecer normas ao exercício das funções defensoriais dentro dos parâmetros constitucionais, sendo uma portaria um meio flagrantemente inconstitucional.
A partir da Emenda Constitucional 80/2014 todas as unidades jurisdicionais devem ter defensores públicos. Bem antes disso a Constituição estadual, no parágrafo único do artigo 146, já determinava que haverá defensor público em cada comarca do Estado do Ceará.
Há demanda judicial da Associação dos Defensores Públicos (Adpec) em conjunto com a OAB ante a omissão estatal em dar cumprimento ao texto constitucional estadual, mas alguns juízes preferiram a via mais fácil e prejudicial à população que é a de ter advogados que, sem concurso público e sem as vedações defensorias, ficam imbuídos da missão constitucional própria da Defensoria Pública.
Seria constitucional portaria para a criação de um cadastro de advogados para exercer as funções de juiz de Estado? A resposta é negativa e com a mesma carga de inconstitucionalidade está a portaria que visa a formação de um cadastro de advogados para exercer as funções de defensor público.
A jurisprudência do STF, por repetidas vezes, vem reiterando o absurdo desse procedimento ou qualquer outro que vise a resolver a falta de defensor público com advogado dativo, contratação temporária de advogados, convênios com OAB ou qualquer outra forma que não seja a dada pela Constituição Federal (ADI 3.700, ARE 767.615-AgR, ADI 3.892 e ADI 4.270)
“A estruturação da Defensoria Pública em cargos de carreira, providos mediante concurso público de provas e títulos, opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade da assistência…” (grifou-se, Ayres Britto).
Todas as Instituições precisam se somar para um amplo acesso e democratização do sistema de justiça, mas sempre com compreensão e respeito da missão constitucional de cada um, reconhecendo a primordial e essencial importância dos advogados, magistrados, defensores públicos e promotores sempre em prol de uma melhor atuação para a sociedade.
É preciso que haja a adequada organização e a efetiva institucionalização da Defensoria Pública sendo preciso um planejamento, por parte da Defensoria Pública, que abarque as necessidades da população e diminua a exclusão jurídica e social das pessoas em situação de vulnerabilidade. É preciso que o Conselho Superior (CONSUP) da Defensoria Pública do Estado do Ceará analise as alternativas apresentadas pela ouvidoria externa da defensoria do estado do Ceará para solução emergencial da questão.
A significativa importância “jurídico-institucional” e “político-social” da Defensoria Pública não pode ser mitigada e a garantia da população não pode ser olvidada com uma operação “tapa buraco” em que as funções do defensor público é exercida por advogados dativos, sem as garantias, prerrogativas, vedações e independência próprias da Defensoria Pública e seus membros. Uma portaria do judiciário jamais pode ter como objeto conteúdo flagrantemente inconstitucional. A preocupação maior deste Fórum é o acesso à justiça. Por isso nos solidarizamos com as pessoas prejudicadas pela falta de defensores públicos, e com a preocupação de outros agentes do sistema de justiça. Mas uma mudança real se terá somente com o fortalecimento das instituições para cumprirem seu papel precípuo, não em nome dos sujeitos de direitos, e sim junto a eles.
FÓRUM JUSTIÇA NO CEARÁ