Fórum Justiça

Oficina sobre CNJ e participação social: saiba como foi o encontro

19/04/2022
Democratização do Sistema de Justiça

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A (falta de) participação social no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) esteve no centro do debate da oficina online “Sistema de Justiça e Sociedade: CNJ em destaque”, que ocorreu virtualmente na última quarta-feira (13/04) por ZOOM, promovido pelo FJ e parceiros.

O encontro teve como expositores o professor de Direito Roberto Fragale (UFF), a coordenadora da plataforma JUSTA, Luciana Zaffalon, e a presidenta do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Michael Mary Nolan,  com mediação da coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UNIRIO e integrante do FJ, Ana Paula Sciammarella.

Fragale iniciou o debate com um breve panorama histórico dos processos que contribuíram para a chamada reforma do judiciário instituída pela  Emenda Constitucional (EC) 45, em 2004. A emenda alterou a estrutura da justiça e instituiu o CNJ, objetivando, principalmente, dar transparência e eficiência ao Poder Judiciário. 

Segundo ele, a reforma potencializou possibilidades de democratização do sistema de justiça, mas não foi capaz de concretizá-la por uma série de motivos, dentre eles um forte déficit de cidadania entre a sociedade brasileira, fruto de décadas de governos ditatoriais e repressivos. 

“A reivindicação de participação cívica atravessa toda a Constituinte, mas não se entendeu ao judiciário. A Emenda Constitucional 45 vem de uma história de reconhecimento desse déficit, mas a agenda legislativa dos anos 1990 estava atrelada à violência e pautas para contê-la”, comentou ele. 

Segundo ele, a agenda real do CNJ atualmente centra-se em quatro pontos principais: gestão, controle da magistratura, eficiência econômica e produção e divulgação de conhecimento a respeito do judiciário.

O professor destacou ainda a ausência do uso de litigância estratégica, sobretudo no contexto de transparência e marco judiciário, por parte da sociedade civil no âmbito do CNJ.

Fragale ponderou que é necessária mudança de conceitual da ideia de justiça, atualmente encarada como prestação de serviço e não como um bem fundamental, com metas calcadas na melhoria da prestação de serviços, com isso a sociedade civil acaba por ser tratada como um “cliente” e não como um cidadão. 

As apropriações das pautas também são norteadas por essa lógica, fruto de um Judiciário dominado por homens brancos do setor dominante.  A diversificação social das carreiras jurídicas torna-se vital para a concretização de um sistema de justiça efetivamente inclusivo e plural. 

O monopólio dos operadores do Direito desse espaço foi evidenciado por estudos sobre a composição do Conselho, em que somente duas das 15 vagas pertencem, em teoria, à integrantes da sociedade civil. Mesmo essas duas cadeiras, escolhidas uma pela Câmara do Deputados e uma pelo Senado Federal, não têm permitido o diálogo com setores populares, destinatários finais da prestação jurisdicional. 

Fragale e Zaffalon apresentaram dados que revelam a falta de transparência e a baixa regulamentação sobre as escolhas dos representantes da sociedade civil no CNJ, com regras genéricas, que permitem inclusive votações secretas. 

Um dos dados mostra que apenas uma mulher foi indicada até hoje para a cadeira destinada à sociedade civil, e esta era advinda do Ministério Público. Nenhuma das pessoas indicadas pela Câmara era oriunda da sociedade civil organizada ou dos movimentos sociais, inviabilizando vozes de setores que atuam com a garantia de direitos humanos perante a justiça. Foi verificado um padrão elitizado de acesso às organizações que participam dos espaços de construção de pautas, e que exclui integrantes da base com posturas mais combativas em relação ao sistema de justiça.

Nesse contexto, as raras brechas para a ocupação de espaços de decisão do órgão têm possibilitado a participação de um perfil muito restrito de integrantes da sociedade civil.

A ativista Michael Nolan mostrou um outro lado do CNJ, em que, sim, há abertura de participação social na elaboração de documentos e manuais para magistrados, com real incidência sobre os documentos finais. Contou de encontros e reuniões produtivas com demais movimentos sociais para ajudar na formulação de resoluções voltadas para os direitos das populações indígenas, LGBTQIA+, entre outras. Porém. ponderou, essas construções coletivas não são visibilizadas e perdem poder de conscientização e pressão de forma mais abrangente:

“O problema é que as resoluções e orientações do CNJ não são aplicadas por juízes e são pouco conhecidas entre movimentos sociais e entidades de direitos humanos”, ponderou.

De acordo com a presidenta do ITCC, o desafio por parte dos movimentos que trabalham com esta temática é o de capacitar a sociedade civil para pautar e disputar esse espaço.

Apesar dos obstáculos e problemas institucionais, “o CNJ é uma fenda pela qual precisamos nos embrenhar para alcançar a democracia desejada”, comentou a coordenadora do Justa. 

O potencial do CNJ na construção de um Judiciário democrático e participativo ficou evidente nas trocas e comentários da oficina, assim como o desafio de criar e escancarar mais fendas que proporcionem o diálogo entre o campo do direito e as demais ciências, entre o direito e a cidadania, com maior participação cidadã na governança do Poder Judiciário. 

Esta foi a primeira das atividades que integram o Colóquio “Sistema de Justiça e Sociedade: marcos para a redemocratização do Brasil”, projeto que celebra os dez anos do FJ. É uma atividade construída coletivamente com a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), a Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), a ONG Criola, a Plataforma Justa, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Plataforma pela Reforma do Sistema Político. 

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