Seminário sobre precarização e sistema de justiça conta com a participação de professores brasileiros e europeus na UERJ.
A Faculdade de Direito da UERJ recebeu, nos dias 24 e 25 de novembro, o Seminário “Precarização e sistema de justiça: entre Brasil e Portugal”, com a exposição, no primeiro dia, da prestigiada historiadora social portuguesa Raquel Varela, da Universidade Nova Lisboa. Raquel é uma das mais destacadas pesquisadoras da Revolução dos Cravos e voz crítica aos atuais processos de precarização do trabalho em Portugal em decorrência das políticas de ajuste fiscal e pressões da Troika sobre o país.
Dentre outros pontos, Varela expôs sobre o mito existente em Portugal segundo o qual a Constituição e a democracia representativa nasceram da Revolução e são o muro defensor do Estado Social e dos direitos sociais. Afirmou se tratar de um mito porque, ao estudar cronologicamente os fatos, percebeu que muitos direitos existiam antes mesmo da Constituição. Concluiu também que a democracia representativa, ao contrário, significou o fim da Revolução dos Cravos, tendo sido uma verdadeira contra-revolução. Ressaltou, entretanto, que a Constituição do pacto social contra-revolucionário tornou-se hoje um importante obstáculo à intensificação da exploração do trabalho no país.
O debate em torno da exposição de Varela se seguiu com a relação desenvolvida por Guilherme Leite Gonçalves, entre os resultados apresentados pela professora portuguesa e a discussão levantada no último capítulo do livro Senhores e Caçadores, de Thompson. Segundo ele, a classe dominante necessitaria se legitimar permanentemente no poder para nele se manter, papel constituído, em última instância, pela forma jurídica. Ao ser percebido como autônomo, o direito poderia cumprir uma dupla função: de legitimar a classe dominante, mas também de restringi-la ao abrir um campo de conflito social a ser utilizado na luta de classe para impor limites, ainda que sempre parciais, à dominação.
Gustavo Siqueira, pesquisador em história do direito na UERJ expôs seu trabalho a respeito do direito de greve durante a Primeira República e o Estado Novo. Para Siqueira, há uma categoria de juristas chamada de “adaptáveis”. Esses seriam aqueles que se adéquam à posição oficial do Estado nos momentos de mudança. Eles fariam uso o argumento da lei como escudo, de forma que se tornam facilmente adaptáveis às ditaduras, por exemplo. Apontou que hipótese comum é a de que não teria havido greve durante o Estado Novo varguista no Brasil. Todavia, mediante o recurso à imprensa operária pôde-se perceber a ocorrência de diversos movimentos grevistas, mesmo quando estavam criminalizados. Ressaltou que, para fugirem da criminalização, mudava-se o rótulo do movimento, adotando-se o termo “paralisação” em vez de “greve”, e que em geral era sobre os comunistas, chamados “vermelhos”, que de fato recaía a repressão do Estado com maior intensidade. Movimentos não ligados aos comunistas possuíam maior liberdade, sob a prevalência do argumento da “cordialidade brasileira”, forte na época.
O segundo dia condensou as exposições do professor Guilherme Leite Gonçalves, do pesquisador alemão Heiner Flescher e do doutorando e juiz do trabalho em Portugal, Eduardo Petersen.
Gonçalves apresentou sua crítica ao predomínio do pensamento de matriz habermasiana nas faculdades de direito, apontando para a necessidade da retomada dos estudos sobre economia política e capitalismo nas abordagens dos estudiosos do direito.
A exposição de Flescher foi baseada em sua pesquisa de campo na Venezuela, tendo por foco as formas de resolução de conflito emergentes nas comunidades e associações de moradores e trabalhadores e sua interface com os poderes constituídos.
Petersen relatou o contexto atual de precarização das conquistas trabalhistas em Portugal, sendo pessimista quanto à existência de forças sociais capazes de apresentar resistência ao avanço neo-liberal no seu país. Nesse sentido, apontou o paralelo com o Brasil, pais no qual reconhece a atuação de atores políticos ainda capazes de apresentarem saídas alternativas para a crise econômica.
O seminário ainda contou com a presença do professor Alexandre Mendes, de alunos da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Direito da UERJ. O Fórum Justiça esteve presente, tendo apoiado a realização desse evento.