Fórum Justiça

Debate sobre questão de gênero abre Semana Jurídica de Direito UNIRIO 2021.2

11/11/2021
Gênero

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O machismo nosso de cada dia, que atravessa todos os campos institucionais da sociedade brasileira, foi tema da abertura da “Semana Jurídica de Direito UNIRIO 2021.2”, nesta quarta-feira (10/11), transmitida pelo canal do YouTube do Diretório Acadêmico Afonso Arinos (D.A.Af.Ar).

O evento, que teve o apoio da Fórum Justiça (FJ), debateu a “Incidência da Discriminação de Gênero no Sistema de Justiça Brasileiro” com a ministra do STF, Cármen Lúcia, a desembargadora do TRF-2 e professora da UNIRIO, Simone Schreiber, e a professora da UNIRIO e Integrante Fórum Justiça, Ana Paula Sciammarella.

O evento foi aberto pela estudante de Direito Márcia Brazão e teve a professora da UNIRIO Raisa Ribeiro como mediadora que ressaltou a importância e o simbolismo da escolha da questão de gênero como tema de abertura do evento.

“Desde uma mulher da periferia até uma ministra do Supremo Tribunal Federal, nos deparamos com questões provenientes dessa exclusão tradicional. A desigualdade de gênero alcança a todas”, declarou. 

Dados preocupantes revelaram os efeitos desse preconceito como o fato de que apenas no ano 2000 o STF ter a primeira mulher ministra e somente em 2016 o Ministério Público Federal teve a primeira e única procuradora-geral da república mulher até o momento.  

As magistradas convidadas também citaram episódios de desrespeito que vivenciaram no desempenho de suas funções como exemplos da misoginia presente no Poder Judiciário, muitas vezes, naturalizada pelas próprias vítimas. 

Cármen Lúcia elogiou a iniciativa do evento por estimular o debate e soluções para erradicar o machismo, que chamou de uma chaga entre as tantas desigualdades no país.

“Entre o discurso e a prática há uma enorme defasagem. A comunidade jurídica brasileira tem o compromisso de falar sobre o tema e de aplicar dentro de sua casa e na sua comunidade comportamentos que demonstrem esse compromisso”, declarou.

A ministra destacou que o machismo invisibiliza, cala e viola direitos das mulheres em todas as classes sociais e instituições, inclusive no judiciário.

“Temos que superar esse estado de coisas de tamanha desigualdade que vivemos no Brasil, que é uma forma de crueldade, mas principalmente, é uma inconstitucionalidade, porque atenta contra a dignidade humana”. 

Juíza desde 1994 e desembargadora desde 2014, Simone Schreiber contou das dificuldades e obstáculos dentro desse espaço para atuar politicamente e alcançar posições de maior poder, em que uma em cada cinco magistrados/as é mulher

Ela citou dados que apontam que embora 51% da população seja feminina, pouco mais de 38% da magistratura é composta por juízes, e esse número diminui nas posições de poder e que a maioria das promoções ocorrem por antiguidade. 

“A ideia da paridade no Poder Judiciário entre homens e mulheres não tem ainda produzido os frutos esperados”, comentou ela. 

A juíza mencionou que sofre na pele discriminações no ambiente de trabalho, de forma sutil e, por vezes, agressiva, citando as expressões “mansplaining” e “manterrupting” como práticas comuns feitas por homens contra mulheres.

Ainda segundo a juíza, as soluções não deveriam vir a partir do direito penal, mas, sim, de políticas que estimulem a educação e o debate, e o aumento da representatividade nas posições de poder das instituições públicas e privadas. 

Ela completou sua fala afirmando que a pauta mais importante para romper com o patriarcado, sexista e misógino, é a legalização do aborto. 

“Se os homens engravidassem o aborto nunca teria sido criminalizado. Acho que esse é um ponto de virada para podermos começar a nos posicionar, determinar as nossas vidas e ocupar as posições de poder”.

A professora Ana Paula Sciammarella trouxe para a discussão a incidência das desigualdades de gênero na vida e a carreira das mulheres magistradas, como algo estruturante em nossa sociedade.

Mencionou alguns dados de sua pesquisa de doutorado “A magistratura das magistradas” que revelam um processo de negação e apagamento por parte de muitas juízas que são reféns dessa lógica da meritocracia patriarcal que impera no meio jurídico.

“Na trajetória profissional, essas mulheres ainda têm que, por vezes, reproduzir um padrão profissional ou comportamento tipicamente masculino para que seu trabalho seja reconhecido”.

Ana Paula também chamou a atenção para um movimento recente de conscientização por parte de magistradas sobre o machismo em suas atividades e articulações em rede de empoderamento:  

“Seja nas diferentes comissões das associações profissionais, seja em grupos de consciência para pensar a sua condição de mulher dentro e fora da magistratura”, comentou.

Para a professora, o reconhecimento da não neutralidade, somado à organização dessas mulheres no sistema de justiça, contribuem para construções de políticas institucionais contragemônicas e contra o patriarcado que ainda perdura nessas instituições.

Dentre algumas reflexões para quebrar esse paradigma, foram sugeridas pelas participantes a necessidade de normas específicas sobre discriminação de gênero no ordenamento jurídico interno, de órgãos para apuração de casos e acolhimento, bem como formação e capacitação feminista nesses espaços institucionais. 

O evento foi encerrado pela estudante de direito Inês Lopa e contou com a contribuição do público com perguntas para as convidadas e comentários no chat.   

Assista ao encontro na íntegra: 

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