Fórum Justiça

Rio: Mais ou Menos 20?

07/08/2012
Democratização do Sistema de Justiça

Compartilhe!

O Princípio 10 da Conferência do Rio de Janeiro sobre desenvolvimento e meio ambiente em 1992 estabeleceu o seguinte: “O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo em suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e os recursos pertinentes”. O direito à informação, participação e acesso à justiça também está estabelecido na Convenção de Aahrus de 1993.

Muito embora tenha havido um esforço concentrado na Rio+20 quanto ao futuro que queremos, principalmente no que concerne ao tema da erradicação da pobreza e aos “diálogos com a sociedade civil”, não se tem mostrado tarefa fácil equilibrar desenvolvimento sustentável e democracia participativa. Este grande desafio não foi superado pela recente Conferência Internacional da ONU, a Rio +20, realizada entre os dias 20 a 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro.

Compreende-se que o Brasil não tenha feito uma chamada expressa aos chefes de Estado e o esvaziamento da Conferência, que contou apenas com 100 representantes de governos contra os 193 países que compõem as Nações Unidas e com apenas 57 chefes de Estado, tenha se dado a partir da própria organização do país anfitrião. Mas a pouca organização começou quando foi elaborado um “documento final” às pressas, sem um eixo com a Rio/92, com textos longos e repetitivos. O texto final sequer foi inserido em uma categoria jurídica específica tal é a falta de um caráter mandatório para o mesmo. A expressão “nós reafirmamos…” destacou-se mais de sessenta vezes, o que demonstra o valor político do documento e não o seu valor jurídico. Dessa forma, da Conferência não resultou um Tratado, uma Convenção, uma Carta, mas simplesmente um “documento” onde consta um emaranhado de abordagens sem qualquer metodologia. Ademais, para a sua aprovação não houve a necessária negociação, mas, apenas, um consenso dos Estados, através dos representantes que aqui compareceram.

Cumpre destacar, no entanto, que pela primeira vez houve uma louvável abertura, mas tímida e sem regras precisas, para a participação da sociedade civil. Esta participação foi limitada a 9 (nove) “Major Groups” classificados segundo a Rio/92 como os de mulheres, crianças, adolescente, indígenas, fazendeiros, trabalhadores, Ong’s, indústrias, Ciência e Academia, havendo sido escolhido um representante para cada grupo. Aqueles que conseguiram a inscrição e passaram pelo complicado procedimento imposto pela ONU tiveram rigorosamente dois minutos para falar na Conferência final. No entanto, sequer as propostas e as prioridades colocadas foram devidamente esclarecidas ao público em geral ou foram especificadas no “documento final”. Dessa forma, apesar de a sociedade civil ter sido mencionada cerca de trinta e nove vezes, pouco se sabe acerca das prioridades levantadas e de uma negociação efetiva sobre as mesmas.

A experiência foi sem duvida importante, mas resta a indagação: de que serviu este processo de participação popular? Creio que em primeiro plano serviu para demonstrar que sem regras claras e sem uma estratégia de ampla participação com procedimentos menos burocráticos não é possível iniciar-se um verdadeiro “diálogo”. Depois, que a compreensão de um “multilateralismo multi-institucional” deve preceder a instalação dos trabalhos de uma grande Conferência como foi a Rio+20, pois as prioridades da sociedade civil devem ser intensamente debatidas e levadas em conta para a rodada de negociações dos Chefes de Estado, com efetivas pontuações nas políticas públicas ambientais de todos os países inclusive com a necessária participação da sociedade na gestão ambiental.

A Rio+20, reconheceu a importância do papel da sociedade civil e a de sua participação e informação (44); o documento final cita cerca de dezesseis vezes a necessidade de informação e transparência e ressalta que todos devem participar, tanto no planejamento quanto no processo decisório. Também o texto do “Rascunho Zero” ressaltou a importância do engajamento dos “Major Groups” na tomada de decisões, pois mulheres, crianças, e jovens, povos indígenas, organizações não governamentais, autoridades locais, trabalhadores e sindicatos, comércio e indústria, a comunidade científica e tecnológica e agricultores devem desempenhar um papel significativo em todos os níveis: “É importante permitir que todos os membros da sociedade civil participem ativamente no desenvolvimento sustentável incorporando seus conhecimentos específicos e know-how prático na elaboração de políticas nacionais e locais” (17).Ressaltou-se ainda que uma maior participação da sociedade civil depende do fortalecimento do direito ao acesso à informação e da capacidade da sociedade civil exercer esse direito (18). O texto estabelece ainda a concordância para efetivar o “Princípio 10” da Declaração do Rio em nível global, regional e nacional, “conforme apropriado” (58).

A afinidade de propósitos entre o texto oficial e aquele apresentado pela Cúpula dos Povos resta evidente. No entanto, a Cúpula dos Povos afirmou que a sociedade civil não quer apenas se informar e participar mas assumir o seu papel neste momento de transição social. O documento é claro ao expor que “Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações”.

A Cúpula dos Povos destacou a necessidade de convergência de ações na defesa dos espaços públicos, na defesa da autonomia das mulheres, da ampliação do conceito de trabalho, do fortalecimento das economias locais e dos direitos territoriais. O texto é enfático quando afirma: “A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma da sociedade”.

Por fim houve uma chamada de todos os povos para a concretização dessa luta: “Voltemos aos nossos territórios, regiões e países animados para construirmos as convergências necessárias para seguirmos em luta, resistindo e avançando contra o sistema capitalista e suas velhas e renovadas formas de reprodução”.

Mas para que a sociedade continue a se sentir mobilizada em participar desses espaços públicos, ajudando a conceber, avaliar e a monitorar políticas públicas de seu interesse, é necessário ampliar o acesso à informação e à educação ambiental, bem como o acesso à justiça ambiental. Esse acesso deve se dar não apenas na promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino, como dispõe a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional (Lei n. 9.795/99). Também, pela conscientização pública do direito e dever de tutela do meio ambiente com debates abertos acerca das políticas estratégicas de desenvolvimento. Ressalte-se que estimular esse engajamento da sociedade civil na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente não é responsabilidade apenas do poder público, mas das empresas, dos meios de comunicação, das instituições públicas e privadas.

A concretização de políticas públicas, como a conservação e despoluição das águas dos rios e dos mares, o saneamento básico, o aproveitamento dos recursos naturais e do material genético advindo da biodiversidade, a produção de alimentos e os usos viáveis da terra, dependem de uma efetiva participação popular para legitimar as ações e definir as diretrizes que possam significar uma real melhoria da qualidade de vida para todos, sobretudo para os mais pobres, que ainda são os mais prejudicados com a exploração indevida do meio ambiente. As soluções encontradas devem ser, assim, previamente debatidas em amplo e aberto processo de negociação, levando-se em conta as características locais e regionais do modo de produção e aproveitamento da biodiversidade.

Todos temos de assumir o papel de atores principais desse processo de transição e quem sabe daqui a três anos, na próxima Conferência da ONU, seja possível apresentar um projeto de planificação democrática sustentável que leve em conta o meio ambiente como um direito mas também como um dever, e, só então, avaliar a importância, ou não, da Rio+20. Por enquanto apenas é possível concluir que todos nós da sociedade civil estamos com a palavra e mais, com a ação sobre o futuro que “realmente” queremos.

Ana Rita Vieira Albuquerque
É defensora pública do Estado do Rio de Janeiro; doutora em direito civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ; integrante do grupo de articulação e facilitadora do GT Minoria do Fórum Justiça.

Download WordPress Themes Free
Download Premium WordPress Themes Free
Download Premium WordPress Themes Free
Download WordPress Themes
online free course
download redmi firmware
Premium WordPress Themes Download
free online course
Autor(es) ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira.
Titulo Rio: Mais ou Menos 20?.
Local de Publicação Rio de Janeiro.
Data de Publicação 7 ago. 2012.
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Rio: Mais ou Menos 20?. Rio de Janeiro, 7 ago. 2012. Disponível em: https://forumjustica.com.br/biblioteca/rio-mais-ou-menos-20/. Acesso em: 22 nov. 2024.