Fórum Justiça

A atuação da Defensoria Pública de São Paulo nas manifestações populares no período da Copa do Mundo FIFA

26/06/2014

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Em 05 de junho de 2014 foi editado Ato do Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo que regulamenta a participação da Defensoria Pública no período de realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Por esse documento, elaborado após um período de discussão da Defensoria Pública-Geral e de sua 1ª Subdefensoria, juntamente com a coordenadoria dos núcleos especializados de cidadania e direitos humanos, infância e juventude, habitação e urbanismo, e situação carcerária, restou instituída uma Comissão Especial e Transitória para a Copa 2014, no âmbito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a qual caberá atuar nas situações de urgência, criminais ou não, verificadas em razão do referido evento esportivo.

Por esse Ato normativo, a Comissão tem como composição fixa a 1ª Subdefensoria Pública-Geral do Estado, a quem compete a coordenação da Comissão – ora ocupada pelo Defensor Rafael Português –, a Coordenadoria de Comunicação Social e Assessoria de Imprensa – ao encargo do Defensor Fabrício Bueno Viana –, os núcleos especializados mencionados acima – coordenados, respectivamente, pelos Defensores Carlos Weis, Diego Vale de Medeiros, Anai Arantes Rodrigues e Patrick Lemos Cacicedo – e a Ouvidoria-Geral – ocupada pelo Ouvidor Alderon Pereira da Costa. A Comissão conta, ainda, com o apoio de três oficiais de defensoria e de outros doze Defensores Públicos sorteados dentre uma lista de inscritos para tal tarefa.

Ainda conforme o documento da Defensoria Pública-Geral, compete a essa Comissão: “Art. 4º  […] I- Estruturar as atividades específicas da Defensoria Pública do Estado de São Paulo durante o evento Copa do Mundo FIFA 2014; II- Estabelecer contato institucional com órgãos e autoridades públicas, bem como com entidades da sociedade civil e movimentos sociais; III- Expedir recomendações e orientações aos órgãos públicos sobre atribuições afetas à Defensoria Pública; IV- Realizar a representação institucional em comissões/reuniões que ocorrerem em razão do evento; V- Organizar plantões e coordenar a atuação dos defensores inscritos nos termos do art. 5º; VI- Acompanhar e monitorar as prisões em flagrante e as ocorrências registradas no âmbito das manifestações populares e de outras atividades relacionadas à Copa do Mundo, especialmente as que decorrerem da atuação do Centro de Pronto Atendimento Judiciário em Plantão (CEPRAJUD), criado pela Portaria nº 8.851/2013 do Tribunal de Justiça de São Paulo; VII- Planejar a atuação da Defensoria Pública na área de restrição comercial, estabelecida pelo Decreto nº 55.010, de 09 de abril de 2014, da Prefeitura de São Paulo; VIII- Decidir se os fatos trazidos a seu conhecimento, em virtude das intercorrências da Copa, ensejarão a atuação da Defensoria Pública; IX- Elaborar material informativo contendo orientações sobre o livre exercício do direito de manifestação e o papel da Defensoria Pública na defesa dos direitos humanos; X- Registrar e compilar todas as informações pertinentes à atuação da Comissão Especial; XI- Apresentar relatório final ao Defensor Público-Geral do Estado até 30 (trinta) dias após o encerramento da Copa do Mundo FIFA 2014”.

Em 09 de junho de 2014, participei de reunião que ocorreu na sede da Defensoria Pública, na Rua Boa Vista, n.º 200, onde os membros fixos da Comissão puderam dialogar com as lideranças dos movimentos sociais acerca da agenda das manifestações populares que viriam a acontecer emfuturo próximo, a fim de que a Instituição pudesse melhor planejar as formas de atuação. Nesse âmbito, em que os movimentos sociais trouxeram suas pautas e cobranças de atuação da Defensoria Pública, compareceram lideranças do Comitê Popular da Copa, do Movimento Passe Livre (MPL), Pastoral da Rua – Arquidiocese de SP, Artigo 19, CONDEPE – Rede Rua, Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais e do Fórum das Pastorais Sociais, além da liderança da Associação dos Servidores da Defensoria Pública de SP, da Revista Crítica do Direito e outros profissionais ligados à área do Direito. Nessa ocasião restou estabelecido que a atuação no dia 12 de junho de 2014, abertura da Copa, se daria basicamente em 4 eixos: (1) um grupo estaria na FanFest no Vale do Anhangabaú, (2) outro nas adjacências do Metrô Tatuapé, onde se encontrariam os metroviários que reivindicariam a readmissão dos companheiros demitidos pelo Governador Geraldo Alckmin em razão da greve ocorrida ao longo dos dias anteriores, (3) outro nas adjacências do Metrô Carrão, onde seria a concentração dos manifestantes ligados ao “Não vai ter copa”, (4) e outro ainda permaneceria na sede da Defensoria servindo de base para os demais colegas. Ainda, houve o comprometimento da designação de membros da instituição para acompanhar a “Copa Rebelde” que ocorreria na Favela do Moinho a partir das 14h, organizada pelo Comitê Popular da Copa SP e o Movimento Moinho Vivo, sendo que os eventuais conflitos que ocorressem dentro do estádio ou dentro do perímetro de exclusão da FIFA seriam tratados pelos Defensores vinculados ao Juizado do Torcedor e ao CEPRAJUD, respectivamente, isso porque, pelo que foi apresentado, a maior preocupação em relação a possíveis violações de direitos humanos estaria relacionada com a repressão à tentativa de ingresso à zona de exclusão e não propriamente em seu interior (ver link). No mesmo dia da referida reunião, horas antes, os membros fixos da Comissão Especial se reuniram com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, alertando-os da atuação da Defensoria in loco durante o período da Copa, o que aparentemente não foi recebido com a devida preocupação.

Sorteado para ser um dos doze Defensores designados para a atuação na ocasião, dirigi-me juntamente com outros colegas às adjacências do Metrô Carrão, onde a equipe chegou aproximadamente às 10h. De pronto fizemos contato com o comando da tropa de policiais militares que formava uma barreira entre a saída do metrô e a rua Apucarana, que dá acesso à Avenida Radial Leste, em frente a uma incipiente concentração de manifestantes que estendiam faixas contra a Copa da FIFA. Todavia, o que se sucedeu logo após foi uma cena surreal onde um contingente da tropa de choque da Polícia Militar surgiu da Avenida Radial Leste e, a fim de dispersar os manifestantes, passou a se utilizar de bombas de efeito moral e tiros de bala de borracha contra a massa, sem considerar o diálogo ou qualquer outra medida menos lesiva, em manifesta contrariedade ao dever de uso proporcional da força. Aliás, causou espanto a referida ação repentina, uma vez que a manifestação, até então, parecia seguir pacífica, não havendo motivação para a sua dispersão, tendo em vista os direitos constitucionais e previstos na convenção Americana de Direitos Humanos de reunião e manifestação do pensamento. Aliás, ainda que algum excesso tenha ocorrido – o que, reiterasse, esse agrupamento de Defensores que ali se encontrava não presenciou – de modo algum as forças de segurança estão autorizadas a dispersar a manifestação, senão de remover especificamente aquele que abusou de seu direito praticando conduta tipificada como criminosa, a fim da manutenção do direito de todos os demais de livremente se reunir e se manifestar.

A partir desse momento – a empreitada da tropa de choque de jogar bombas de efeito moral e atirar balas de borracha seguida de um avanço do contingente ocorreu mais umas duas/três vezes – os Defensores ali presentes passaram a ser procurados por manifestantes e jornalistas sobre o proceder da Polícia Militar e sobre os seus direitos. Como resposta, a equipe se prontificou a esclarecer aos interessados sobre a ilegalidade da atuação da Polícia Militar nos moldes realizados, apresentando um folder com diversas disposições legais e constitucionais em que nos embasávamos, bem como apresentando telefones e endereços de e-mail para os quais toda documentação – fotos, vídeos, depoimentos, boletins de ocorrência – poderiam ser encaminhados para que a Instituição, posteriormente, pudesse tomar as medidas cabíveis para responsabilização dos responsáveis pelos abuso, bem como para eventuais ações indenizatórias. Dentre tais canais, foi ressaltado que a Defensoria receberia denúncias de abusos e violações de direitos humanos no e-mail: (link) e no telefone: (11) 3107-5080, sendo ainda possível o contato com a Ouvidoria-Geral da Instituição através do e-mail (link) e do telefone: (11) 3105-5799 e (11) 3104-7670. Ainda, foi apresentado o endereço eletrônico da Ouvidoria da Polícia: (link) e telefone: 0800-177070, bem como e-mail da Corregedoria da Polícia Militar: (link) e telefone: (11) 3322-0190, sendo o telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos simplesmente o número 100. Ressaltou-se a importância no envio de tais documentos para a Defensoria tendo em vista a dificuldade em se conseguir, junto ao Judiciário, o reconhecimento da responsabilidade por abuso de autoridade e/ou tortura, principalmente dos comandos de tais desastrosas operações – ao menos do ponto de vista do respeito pelos direitos humanos –, em que pese alguns magistrados aplicarem a “teoria do domínio do fato” a seu gosto quando a opção é a condenação de determinados indesejados…

Outros ainda procuraram os Defensores presentes com o intuito de comunicar a existência de feridos e de detidos, supostamente, de maneira irregular. Rafael Marques Lusvarghi, 29 anos, professor de inglês e assistente de help desk, é exemplo de manifestante que, ferido por balas de borracha e atingido em seus olhos por um spray por policiais militares, após estar completamente contido, foi irregularmente detido (vídeo). Conduzido para o 52º DP – ao que me consta, após passar pelo Pronto Socorro – foi lavrado boletim de ocorrência de “natureza não criminal”, onde constou, na íntegra, o seguinte histórico: “Comparece o Sgt. PM acima qualificado da VTR-08207, informando que participava de operação com vistas à coibir manifestações contra a copa e que o averiguado Rafael encontrava-se à frente de uma multidão de populares gritando palavras de ordem contra a operação e ao governo, instigando-os à desordem e que por este motivo foi ele detido para averiguação, onde constatou-se que ele possui passagem pelo Art. 180, porém com desfecho de arquivamento da ação. O averiguado foi liberado após averiguação. Nada mais”.

Do que se verifica, sem maiores pudores, fez-se constar nesse boletim de ocorrência que a prisão de Rafael se deu única e exclusivamente para fins de averiguação, em violação ao art. 5º, LXI, da Constituição Federal que impõe que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Não que se devesse mascarar tal proceder, mas como diz uma imagem que anda circulando pela internet, “se a Polícia Militar não tem medo de agir assim quando o mundo inteiro está vendo, imagine como deve ser quando ninguém vê” (imagem).

Em tal ocasião o Rafael acabou sendo liberado na Delegacia Policial, mas quantos em situação análoga poderiam ter sido “liberados” antes mesmo de terem que ser, ilegalmente, conduzidos à força para a Delegacia, tendo de suportar toda a sorte de estigmatizações e violências que essa entrada para a cerimônia degradante que é o processo penal proporciona?

Eis a situação de outro manifestante, esse de nome Cristian, do qual tomamos conhecimento através de outros manifestantes que vieram nos procurar. Cristian se encontrava detido dentro da unidade do Corpo de Bombeiros da Rua Apucarana, no interior de uma unidade móvel da Polícia Militar, prestes a ser encaminhado para uma das Delegacias Policiais próximas ao local, em virtude do porte de uma máscara do Guy Fawkes do “V de Vingança” (!!!). Nessa oportunidade conseguimos conversar com o comando daquela unidade de policiais militares que realizaram a prisão, tendo nos sido informado que Cristian seria conduzido à Delegacia Policial para (novamente) averiguação. Após a nossa manifestação da ilegalidade da medida, bem como que eventual “averiguação” poderia muito bem ser realizada na própria unidade móvel da polícia, Cristian foi solto ali mesmo, não sem antes receber um pito sobre como se portar em um protesto…

Esses, dentre outros acompanhamentos que os Defensores Públicos ali presentes realizaram juntamente a Delegacias Policiais, revelaram a importância da Defensoria Pública juntamente às manifestações populares de rua em razão da amplitude e gravidade das violações aos direitos humanos que ocorrem em tal âmbito, as quais, se não são evitadas pela presença dos defensores, ao menos tal presença se presta a coibir violações pontuais – como a relacionada ao encaminhamento de Cristian para a Delegacia para averiguação. Ademais, a presença da Defensoria Pública, além possibilitar imediatamente a educação em direitos da população e a defesa jurídica dos envolvidos, expressa uma faceta diversa do Estado: uma face comprometida com os direitos fundamentais os quais, de fato, devem ser os objetos alvo de proteção. Eis o significado daquilo que se convencionou chamar de “segurança”, a qual, em tempos sombrios em que a expressão “prisão para averiguação” se tornou termo recorrente, se apresentou como argumento falacioso para a manutenção da “ordem”, ou seja a manutenção do status quoconforme os interesses – por vezes egoísticos – dos detentores do Poder.

A exposição do ocorrido nas manifestações populares por mais esse ator Estatal é trazer, também, para a mídia, por vezes impregnada pelo discurso policialesco diuturnamente veiculado para a população, uma nova perspectiva: de um órgão a quem a lei incumbe ser a “expressão e instrumento do regime democrático” (art. 1º da LC 80/94) e que tem como objetivos ”art. 3º […] I- a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; II- a afirmação do Estado Democrático de Direito; III- a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e IV- a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório” (LC 80/94), conforme se verifica, dentre outras, nas seguintes matérias: (1) Estadão, (2) CBN, (3) Terra.

Giancarlo Silkunas Vay é Defensor Público no Estado de São Paulo.
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