Oficina Litigância Estratégica na Defensoria Pública, no XIII CONADEP
Oficina Litigância Estratégica na Defensoria Pública, no XIII CONADEP
O XIII Congresso Nacional de Defensores Públicos recebeu, na tarde do dia 15 de novembro, a Oficina Litigância Estratégica na Defensoria Pública, proposta pelo Fórum Justiça em parceria com o coletivo de Estratégias em Direitos Humanos, criado no bojo do Seminário Nacional ocorrido em março sobre a mesma temática.
CONTEXTO
O Seminário “Litigância Estratégica em Direitos Humanos: usos, sentidos e práticas na Defensoria Pública”, realizado em março de 2017 no Rio de Janeiro, possibilitou um primeiro encontro de debate sistemático sobre o tema com a participação de defensores atuantes em diferentes órgãos especializados e em variados contextos. A partir daquele momento, foi ativada uma rede que busca consolidar canais de comunicação interinstitucionais, grupos de ação conjunta e meios de produzir respostas mais céleres e dinâmicas frentes às demandas estruturais de largo impacto. Novas atividades sobrevêm no bojo dessa temática, como o Seminário “Litigância estratégica e direito de resistência: desafios para a Defensoria pública e movimentos sociais”, a ocorrer em outubro em Fortaleza. A oficina situou-se em continuidade ao esforço de estabelecimento de uma agenda estruturante para o próximo período, além de debater eixos prioritários de formação, de atuação institucional e de política judicial para a litigância estratégica.
Teve por objetivos fortalecer a rede constituída nas atividades levadas a cabo em 2017 por meio da socialização dos acúmulos e incorporação de novos atores, apresentar o estado da arte dos principais pontos pendentes de acúmulo e estabelecer agenda estruturante para o próximo período.
METODOLOGIA
A Oficina foi pensada para acontecer em três momentos. Momento 1: Apresentação do acúmulo, produtos e documentos referentes aos seminários sobre a temática ocorridos em 2017. Momento 2: manifestação dos colegas, alusiva ao que cada um entende por litigância estratégica e debate para avaliação dos principais pontos a serem desenvolvidos referentes à atuação/litigância estratégica da Defensoria. Para esse momento, foi indicada uma dinâmica de divisão em grupos, após o que seria feita a leitura e debate dos principais pontos levantados. Momento 3: proposição de agenda de ações e atividades entre as Defensorias e organizações participantes, observando-se critérios que levem em conta especificidades regionais. A Oficina estaria voltada para a construção de compromisso dos presentes, devendo ser estes os agentes de realização da agenda proposta.
RELATORIA
Iniciada em uma sala menor, a oficina, com a chegada dos participantes, foi transferida para uma ampla sala de reuniões que estava sendo utilizada pelo Congresso. A abertura foi trazida por Patrícia Magno, coordenadora da Oficina, e Élida Lauris, que fez a retomada dos principais pontos do ano referente à litigância estratégica na Defensoria Pública, com destaque para o resultado dos Seminários Litigância Estratégica em Direitos Humanos e do Seminário Defensoria no Cárcere e a Luta Antimanicomial, cujos relatórios estavam sendo publicizados durante o Congresso. Outro produto socializado foi a Casoteca de Litigância Estratégica em Direitos Humanos, que reúne mais de sessenta casos submetido ao concurso levado a cabo pela Defensoria e pelo Fórum Justiça em março. Élida também pontuou a conjuntura de assenso nas violações de direitos humanos no Brasil e a necessidade decorrente de organizar resistências a partir do diálogo entre a Defensoria Pública, a advocacia popular, os movimentos sociais e a Universidade.
Justamente como uma forma de articular esses quatro atores que, por iniciativa da ANADEP, da RENAP, do Fórum Justiça e do IPDMS foi lançado o e-book Defensoria Pública, Assessoria Jurídica Popular e Movimentos Sociais e Populares: uma articulação necessária. Rodrigo de Medeiros fez a apresentação da obra, consolidando o seu lançamento e convidando os presentes a conhecerem o livro.
O momento seguinte foi marcado por uma apresentação dos presentes, que foram provocados a indicar suas áreas de atuação, se haviam estado em atividades anteriores sobre o tema e qual a expectativa que nutriam. Apresentaram-se quarenta e três defensores públicos de todas as regiões de país e de todas as áreas de atuação, com destaque para defensoras de localidades distantes de Roraima e do Amazonas, que relataram uma solidão institucional muito grande que se coloca como grande desafio para uma atuação estratégica.
Patrícia Magno recolheu pontos a partir das falas das apresentações e o ponto comum das falas é a centralidade da pessoa em situação de vulnerabilidade, o destinatário final da Defensoria Pública. Para ela, aquele momento representava uma lógica de atuação contra-hegemônica que visa potencializar outras atuações nesse mesmo sentido, que sempre causarão um incômodo para as estruturas de poder constituídas. Defendeu que as defensoras e os defensores a atuarem de modo contra-hegemônico devem fazê-lo de modo articulado, mas sem esperar pelo dia em que a Instituição esteja poderosa suficiente para dar suporte a essas ações. Trouxe como referência o texto de Boaventura de Sousa Santos que pergunta “Pode o direito ser emancipatório?” no qual, segundo a coordenadora, vai refletir sobre o direito como instrumento de poder e o seu uso para subverter a ordem que ele mesmo se estrutura para garantir. Patrícia sustentou que, a depender de como é manejado, o direito pode ser emancipatório sim, ainda que não seja capaz de destruir o sistema capitalista. O direito é, ao menos, capaz de produzir fendas.
Estabeleceu uma trajetória dos conflitos numa linha em que há um momento pré-judicialização, durante o qual se pode manejar a conciliação e a mediação, um momento judicial e outro pós-judicial, que demanda atuações da Defensoria Pública, que podem abranger educação em direitos, audiências, participação em conselhos, comitês, grupos de trabalho nos três poderes, monitoramento e fiscalização. Lembrou que uma diferença entre a ação intuitiva e a estratégica é o fato de esta última estar estruturada em um planejamento, o que requer uma preocupação de acompanhar minimamente o resultado do trabalho desenvolvido. O tratamento estratégico de uma demanda também necessita partir de um diálogo ativo e que busca o estabelecimento de parcerias que permitam uma circulação de saberes, de modo que a Defensoria Pública possa inverter o seu papel e aprender as práticas e os saberes da comunidade.
Vinícius Alves pontou a importância de entender a atuação estratégica enquanto parte de uma política institucional, de modo que sejam coordenados esforços, como recursos, funcionários e diferentes setores, como a informática e a comunicação, para atuações estratégicas efetivas para além das atuações no âmbito da autonomia funcional de cada defensor/a público/a. Além disso, sugeriu compreender a atuação estratégica não só diretamente em defesa das populações vulnerabilizadas (atividade fim da Defensoria), mas também como incidência frente à estrutura institucional da Defensoria Pública (atividade meio), de modo a assegurar a ambiência interna favorável à finalidade institucional e de modo a colaborar com o planejamento e a seleção das prioridades de atuação estratégica da instituição. Um exemplo desse tipo de atuação estratégica voltada para a atividade meio seria uma voltada à implementação da Ouvidoria Externa.
Patrícia ponderou que o/a defensor/a nunca pode ser um mero executor da política institucional, na medida em que a política já descrita na Constituição e na ordem jurídica. Também entende que a política institucional é muito volátil e que não se pode depender dela para avançar em atuações necessárias, de modo que um atuar estratégico para atividade meio e atividade fim não se condicionam, sob pena de produção de um engessamento do/a defensor/a. Por vezes os/as defensores/as atuam para além da gestão institucional, que pode boicotar esse atuar.
Demais participantes deram contribuições para esse debate. Afirmaram que é necessária uma política institucional de apoio à litigância estratégica na medida em que o/a próprio/a defensor/a está engessado/a em uma atividade burocrática e que cabe ao conjunto dos defensores têm que implementar essas políticas, mas que também é fundamental que o/a defensor/a prossiga com suas atuações com autonomia já que por vezes ele/a é boicotado/a pela gestão institucional. Outra participante suscitou que mesmo o/a defensor/a público/a que prefere realizar uma atuação burocrática, alguém de perfil audiencista, deve ser respeitado/a, já que também é um membro da instituição e todos os perfis e trabalhos são necessários.
Essa última visão foi contestada por um defensor que invocou o papel da Defensoria Pública enquanto instituição participativa e democrática, a somar forças com a Ouvidoria Externa, o que ele, é uma grande diferenciação em face do Ministério Público. Defendeu que o direito é uma ferramenta, que pode ser usada para o bem e para o mal. E que, para ser usada para o bem, deve valer-se da educação em direitos e de uma atuação que não pode ser muito formal, mas que se adéque à realidade de organização local.
Vinícius propôs uma síntese do debate entre atuação do/a defensor/a no âmbito da sua autonomia funcional e a atuação estratégica a nível institucional a partir da análise trazida por Maria Tereza Sadek em seminário realizado pelo Fórum Justiça em maio de 2015, quando a professora criticou o uso da autonomia funcional como uma garantia individualista para o/a defensor/a não seguir diretrizes institucionais e não como garantia da população de atuação do/a defensor/a contra constrangimentos na defesa de direitos. Defendeu que, se é possível uma atuação estratégica a nível de atividade fim baseada na autonomia funcional independentemente do apoio dado a ela pela gestão institucional, uma atuação estratégica a nível de atividade meio só pode ser coletiva e é fundamental para a ampliação do alcance da atuação individual dos/as defensores/as.
Patrícia prosseguiu a oficina citando a importância de determinadas estratégias, como as campanhas e fez referência à campanha pela liberdade de Rafael Braga. Também tocou na questão relativa ao caso paradigma, cuja situação precisa exemplificar um padrão de violações do Estado contra a pessoa. Informou que por vezes se trabalha esse assunto na chave de um caso estrutural.
Após algumas falas em que participantes descrevem brevemente seus casos, a oficina teve de ser interrompida em virtude do prosseguimento da programação do Congresso.