Batalhão de Choque abandona cerco à Aldeia Maracanã
Depois de cercarem o Museu do Índio por 12 horas, com a promessa de desocupação homens do Batalhão de Choque deixaram o local às 19h30 deste sábado, sem realizar qualquer ação uma vez que não obtiveram o mandado judicial para reintegração de posse. A retirada foi aplaudida por indígenas e demais presentes.
O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que passou a tarde inteira com os índios, classificou como ‘estranha’ a mobilização da tropa de choque.
“Quem mandou a tropa o fez antes de obter autorização jurídica. Será que a a polícia invadiria o local, mas não o fez por conta da presença das câmeras e autoridades”, indagou o parlamentar.
O defensor público federal Daniel Macedo considerou o episódio “vergonhoso”:
“É a segunda vergonha do governo. A primeira foi afirmar que a demolição era uma exigencia da FIFA. Mentira. Questionada pela Defensoria, a FIFA desmentiu. Disseram que jamais pediriam isso. A segunda é a tropa de choque indo embora sem decisão judicial”.
Ainda segundo Macedo, o governo estadual não realizará nenhuma nova ação neste fim de semana. Já na semana que vem, disse, o Executivo fluminense deve acionar a Justiça para obter a reintegração de posse.
“A informação extra-ofocial é a de que houve uma reunião com a Emop onde foi decidido que o Estado ajuizará ação própria, a partir desta segunda-feira (14/1) para obter a reintegração de posse”.
Durante a tarde, centenas de pessoas uniram-se aos índios para apoiar a resistência dos integrantes da Aldeia Maracanã. Os manifestantes se reuniam em volta de fogueiras, em clima amistoso. A saída dos policiais militares foi bastante comemorada.
“Foi uma vitória. Mas nada garante que amanhã não haverá uma reviravolta. Não sei como o governo pretende justificar a demolição deste espaço cultural histórico. É mais um absurdo”, disse a estudante de antropologia Aline Machado, de 22 anos, que promete ficar acampada no imóvel até quando for preciso.
Entenda o caso
Em uma ação movida pelo defensor público da União do 2º Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, Daniel Macedo, a juíza federal Edna Carvalho Kleemann, da 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro, concedeu a liminar impedindo a demolição do prédio do Museu do Índio, construído em 1862.
Em novembro, o governo do Rio de Janeiro, porém, recorreu desta liminar ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região (Rio e Espírito Santo). Ali, sua presidente, Maria Helena Cisnbe, em decisão monocrática (pessoal) suspendeu os efeitos da liminar alegando não existir tombamento do prédio.
Para o defensor público, foi uma decisão que contraria a lei, pois ignorou o decreto municipal nº 20.048/2001, que proíbe a demolição de edificações construídas até o ano de 1937. Foi respaldada neste decreto municipal que a juíza federal Edna concedeu a liminar.
Apesar das promessas do chefe da Procuradoria Regional da República, Nívio de Freitas, de recorrer da decisão da presidente do TRF – o que só pode ser feito por ele, como procurador regional chefe – isto até hoje não aconteceu. Segundo explicações da PRR2, somente esta semana, após o recesso de final de ano do judiciário, é que o processo com a decisão da presidente do TRF-2 foi encaminhado à Procuradoria Regional. Como o procurador Freitas está de férias, o caso foi entregue ao procurador Newton Pena, que está analisando o que deve fazer.
Segundo a assessoria do Governo do Estado, o projeto final estará no edital de licitação da concessão do Complexo do Maracanã, a ser publicado até o final de janeiro. A empresa vencedora responderá pela gestão, operação, manutenção e readequação da área.
A licitação para a demolição do antigo Museu do Índio foi realizada em 20 de dezembro. A empresa vencedora, Compec Construções e Locações, vai receber R$ 586.058,95 pelo serviço. O contrato será assinado nos próximos dias e, a partir de então, o prazo para a demolição será de 30 dias. A informação de que a demolição aconteceria neste domingo (13) foi negada pelo governo estadual.
Também neste domingo está prevista a realização do Congresso Nacional da Frente Internacional dos Sem Teto (Fist) no local. É esperada a presença de ninguém menos do que o prefeito Eduardo Paes. O cacique da aldeia, Tukano, diz que esteve com um assessor do prefeito que lhe assegurou a ida de Paes à aldeia. “A não ser que ele mude de ideia”, ironizou o índio.
A Prefeitura do Rio eximiu-se de comentar a decisão do Conselho Municipal que se posicionou contra a demolição do prédio do Museu do Índio, pois ela “ainda não é final, porque coube recurso das partes. Por isso, não se pronunciará até que seja analisada novamente”.
“Capricho da administração pública”
Para o defensor público da União André Ordarcgy, do 1º Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da DPU, o decreto municipal 20.048/2001 “é bem claro e fala que a demolição de prédios construídos até 1937 depende de parecer favorável” do CMPC.
“O Conselho deu parecer contrário. Não vejo como contornar isso. O prefeito pode revogar o decreto e lançar outro. Mas aí vai estar correndo risco de ser uma decisão movida pelo particular e deixar de ser um ato impessoal. É exigido da Administração Pública que seja impessoal e legisle por todos”, advertiu o defensor.
Segundo Ordarcgy, é misteriosa a motivação do poder público de demolir o antigo Museu do Índio, uma vez que diversos laudos técnicos já afirmaram que a manutenção do prédio não atrapalha a livre circulação de pessoas.
“Muito mais do que a licitação que foi lançada, há um reforço dessa vontade desconhecida do estado de querer demolir o Museu do Índio. Já foi apresentado laudo comprovando matematicamente que ele não atrapalha a livre circulação na área. O que se percebe é que a demolição passa por um mero capricho da administração pública. Isso não pode ser tolerado quando se fala da administração pública. Temos todas as provas contrárias à demolição”, ponderou.
Ele prossegue esmiuçando que “a situação deixa qualquer um que analisa o caso perplexo. A Fifa diz que é contrária à demolição. O Crea é contrário, dizendo que não atrapalha a livre circulação. O Inepac (órgão estadual que trata do tombamento de prédios históricos) pediu o tombamento do imóvel. O Iphan (órgão federal de preservação cultural), apesar de não ter tombado, disse que é contrário. ONGs, arquitetos, urbanistas, a DPU e até a Alerj já se manifestaram contra. Ninguém consegue entender por que demolir aquilo. Por que vai demolir o prédio então?”, questionou Ordarcgy.
Escola
Além do prédio do antigo museu, a construção do Complexo do Maracanã também prevê a demolição da Escola Municipal Friendenreich. No final do ano passado, pais de alunos e ativistas também se manifestaram contra a demolição da unidade educacional, que ganhou sobrevida de um ano. Segundo a assessoria de imprensa do Governo do Rio, a derrubada do imóvel ocorrerá após a transferência dos alunos para novo espaço, a ser realizada nas férias escolares de 2013/2014. O assunto é tratado em parceria pelo Governo do Estado e pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
MPF investiga “supostas irregularidades” no processo de concessão do Maracanã
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) abriu em dezembro um Inquérito Civil Público (ICP) para investigar “supostas irregularidades” no processo de concessão do Maracanã. As obras do estádio estão sendo custeadas com verbas públicas federal, através do BNDES. A concessão visa entregar a administração do estádio à iniciativa privada, que poderá explorar os espaços, o que incluirá uma espécie de shopping e um grande estacionamento.
A procuradora da República Marta Cristina Pires Anciães é a responsável pelo inquérito. De acordo com o MP, em uma reunião ocorrida no dia 21 de novembro foram noticiadas supostas irregularidades no processo de concessão do Estádio Mário Filho (Maracanã).
Na reunião foi questionado, por exemplo, o fato de a empresa IMX – de propriedade do milionário Eike Batista -, concorrer à concessão apesar de ter sido responsável pelo estudo de viabilidade econômica da mesma, além de ter ajudado a elaborar o edital de concorrência que definirá o futuro administrador do estádio. Foi noticiada, ainda, a “existência de licitação ‘extra’ para construção de bilheterias e catracas do Maracanã sem a devida divulgação”.
Como não foram dados detalhes das possíveis irregularidades, a procuradora, ao instaurar o ICP encaminhou ao governo do estado uma requisição de diversos documentos. O pedido dela inclui cópia integral do procedimento administrativo relativo à contratação, em regime de parceria público-privada (PPP), da gestão, operação e manutenção do Estádio Mário Filho (Maracanã)e do Ginásio Gilberto Cardoso (Maracanãzinho), notadamente dos seguintes documentos: estudo de viabilidade econômico-financeira da concessão do Estádio Mário Filho (Maracanã) e do Ginásio Gilberto Cardoso (Maracanãzinho), que deu lastro à cláusula 12.1, constante da minuta do Edital existente no sítio do Estado do Rio de Janeiro na internet, com indicação da empresa contratada, data e nota fiscal de prestação de serviço; projeto básico do modelo de concessão; minuta do Edital com todos seus Anexos (ou Edital e seus Anexos, caso já tenha sido assinado); caso já se tenha dado início à licitação, as propostas eventualmente apresentadas.
Entre as motivações para o inquérito estão documentos que “indicam supostas irregularidades no tratamento das questões envolvendo o entorno do referido equipamento esportivo”. Pelo que se sabe, em busca da chamada “mobilidade” e da criação de uma quadra para aquecimento dos atletas, o governo do Estado programa as demolições da Escola Municipal Friedenreich e do antigo Museu do Índio, assim como do Parque Aquático Julio Delamare e do estádio Célio de Barros.
Atualmente, a procuradora aguarda o encaminhamento oficial de tais documentos, principalmente, do estudo econômico-financeiro que dará lastro à concessão.
No próximo dia 28 de fevereiro está prevista a reinauguração do Maracanã, com vista à disputa da Copa das Confederações. O estádio está fechado para reformas desde 2010 e, até agora, o governo do Rio já comprometeu R$ 940 milhões com a reforma.
Parlamentares defendem o aprofundamento das investigações
O deputado estadual Paulo Ramos (PDT), opositor do governo de Cabral, destacou que o que houve no Maracanã foi um “escândalo”: “Reformar o Maracanã não era uma prioridade. Temos exigências complexas. Veja as enchentes, o saneamento básico, a educação e a saúde pública do estado. Os servidores públicos abandonados, e gasta-se R$ 1 bilhão. É um acinte”, critica.
O deputado classifica como “preocupante” a relação entre o governador e diretores de empresas que prestam serviço ao Estado. “Vamos imaginar que uma investigação dessa seja feita. Mas há algumas figuras que se destacam como sócias do governante, como o empresário Eike Batista e o caso da Delta, que é escandaloso. É tudo muito preocupante”. Ele aproveitou para alfinetar o caso em que Cabral foi flagrado em fotos com o ex-diretor da Delta, Fernando Cavendish, e outros secretários do governo, com guardanapos na cabeça em um prestigiado restaurante de Paris, na França. “Ninguém quer destruir um governo, mas ninguém quer que tenha um governo que não possa aparecer publicamente, e só possa aparecer em solenidades fechadas como esta. Se for publicamente, ele tem dificuldade de sustentar, porque a república do guardanapo é de uma desmoralização muito grande”, disparou.
Já a deputada Clarissa Garotinho disse que a investigação precisa acontecer. “Movi essas ações no âmbito do Judiciário e do Ministério Público do Estado do Rio. Se essas investigações estão acontecendo, deveria paralisar o processo de privatização. Até porque há um questionamento na Justiça se o Maracanã pertence ao Estado ou à Prefeitura do Rio. Então, não é possível que depois de investir R$ 1 bilhão só na última reforma, entreguem o Maracanã de mão beijada à iniciativa privada. A investigação é bem-vinda, e outras virão porque eu e outros deputados já movemos outras ações”, defendeu a deputada.