Fórum Justiça

Entulho autoritário impede democracia nos tribunais

13/09/2013

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por Marcelo Semer
(É juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo)

O Conselho Nacional de Justiça concedeu, nesta terça-feira, medida liminar para impedir que na próxima eleição do Tribunal de Justiça de São Paulo, todos os desembargadores possam concorrer aos cargos de direção.

A medida se baseia na Lei Orgânica da Magistratura, segundo a qual apenas os desembargadores mais antigos, e em igual número de cargos, podem disputar o pleito.

A regra é proveniente de um dos mais antigos diplomas do entulho autoritário, aprovado em 1979, em plena ditadura. E, inexplicavelmente, mantém-se como uma das mais resistentes leis do nosso ordenamento.
Resistiu à Constituição de 1988, que delegou para os regimentos internos a eleição nos tribunais, e vem resistindo à própria Reforma do Judiciário, que relativizou, no texto da Constituição, as regras que prestigiavam a antiguidade.

Mas a depender do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça tudo continuará como dantes, em todos os quartéis de Abrantes.

O STF, que é tão ativista em várias outras questões da vida social, e cada vez mais diligente e fiscal do processo legislativo, sistematicamente fecha os olhos para a democracia na própria Justiça.

E o CNJ, órgão que se propõe a ser o catalisador de um novo Poder Judiciário, mantém firme a aposta na gerontocracia, acreditando, sabe-se lá se por ingenuidade, que será possível modernizar sem ao mesmo tempo democratizar o poder.

Mas se os próprios homens da justiça não acreditam nos valores da democracia, como podem ser seus garantidores?

É certo que a disputa em São Paulo também envolve um condimento particular, diante da pretensão de reeleição do atual presidente, que ficaria inviabilizada com as regras da Lei Orgânica.

Mas a resistência à democracia vai muito além da simples abertura para candidatos: o problema maior ainda é o estreito número de eleitores.

Que a presidência da Câmara de Deputados, por exemplo, pudesse ser disputada apenas pelos três parlamentares mais idosos seria um rematado despropósito; mas que só uma pequena parte dos deputados participasse da eleição seria um absurdo ainda maior.

É justamente o que acontece nos tribunais do país. A eleição é direta, mas o voto é censitário.

Só aqueles que detêm o título de desembargador podem votar para escolher a direção do tribunal, a qual todos os juízes estão vinculados.

A sobrevivência de uma regra tão imperial e oligárquica como essa, em pleno século 21, é nada menos do que injustificável.

Os juízes, que conduzem as eleições locais, estaduais e nacionais, são reputados como pessoas sem discernimento para serem eleitores em seu próprio tribunal.

Nem a experiência é capaz de justificar essa cassação, porque juízes antigos reúnem menos direitos políticos do que desembargadores recém-empossados, como, por exemplo, os do quinto constitucional.

Só uma canhestra interpretação no sentido de que os juízes que são escolhidos, promovidos, remunerados, fiscalizados e aposentados pelo Tribunal de Justiça, dele não fazem parte, é capaz de explicar a falta de democracia.

Mas que essa interpretação tenha prestígio no estado democrático de direito é o que mais espanta.
Parte desse prestígio diz respeito a possíveis malefícios do ingresso da política nos tribunais. Mas, afinal, quem acredita que ela ainda esteja fora deles?

E se nós não reconhecemos a democracia como critério de racionalidade para o exercício do poder, por que motivo nos orgulhamos tanto em defendê-la?
Milhares de pessoas saíram às ruas para manifestações criticando, sobretudo, os vícios da representação política. Mas ninguém supõe que ao invés de aumentar a participação popular, o caminho seja suprimir de vez as eleições.

O Tribunal Regional do Trabalho, da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, felizmente não pensa assim. O TRT-4 foi o primeiro do país a mudar seu regimento interno para possibilitar que todos os juízes participem das próximas eleições.

Agora é ver se o avanço não será, em breve, mutilado pelo órgão de controle externo.

http://terramagazine.terra.com.br/blogdomarcelosemer/blog/2013/09/11/entulho-autoritario-impede-democracia-nos-tribunais/

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