Justiça é branda com policiais e agentes carcerários acusados de tortura, aponta estudo
por ALEXANDRE PUTTI
Um levantamento divulgado hoje (27) pela Conectas, revela um panorama sobre o acusados, vítimas e perfil de processos que versam sobre o crime de tortura, previsto na Lei 9.455/97. O estudo aponta a maior incidência de tortura visando a “confissão” de algo, além de revelar uma postura mais branda por parte do Justiça, quando o acusado é do servidor público.
A pesquisa foi feita pelo Conectas Direitos Humanos, o Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Pastoral Carcerária e a Ação dos Cristãos para a Abolição.
Perfil dos acusados. Entre agentes públicos e privados, os primeiros se saem melhor no Judiciário.
Os agentes públicos representam 61% dos casos, seguidos por agentes privados, com 37%. Em 2% dos casos não foi possível identificar o perfil do acusado. Por agentes públicos, entende-se funcionários do Estado, como carcerários, guardas e policiais, enquanto agentes privados correspondem a pais, mães, padrastos, madrastas, babás ou quaisquer pessoas que não se enquadravam na categoria “agente público”.
Nesse sentido, os agentes públicos acusados de tortura tem uma chance maior do que agentes privados de saírem absolvidos, como demonstra o gráfico abaixo:
Um dos fatores que facilitam isso é o órgão pericial pertencer à própria polícia. Para a advogada do programa de Justiça da Conectas, Vivian Calderoni, “os dados mostram que a Justiça opera de maneira diferenciada em função do perfil do réu e da vítima. Muitas das absolvições, nos casos em que os agentes públicos são os acusados, são justificadas pela falta de provas. Isso pode revelar uma preocupante falta de capacidade do Sistema de Justiça de apurar a tortura cometida por seus funcionários, ou uma tendência a desqualificar o testemunho de vítimas que são suspeitas ou cumprem pena por outro crime”, afirma Vivian.
Perfil das vítimas. A tortura ronda quem é pressionado para “confessar” algo
De todos os casos de torturas, 51% eram homens, maiores de 18 anos, representando a grande maioria do gráfico. Dentre os homens, há a parcela de suspeitos de algum crime e o os que já foram condenados.
No panorama geral, os suspeitos de algum crime representam 21%, enquanto os condenados apenas 9%. Nesse cenário, percebe-se que muitas torturas são realizadas com o objetivo de obter confissões, enquanto, outras se apresentam como castigo.
Somados, crianças e os adolescentes representam 33% das vítimas de tortura, o que levantou na pesquisa a necessidade de se estudar as causas, embora boa parte das torturas venham do ambiente doméstico.
Segundo o estudo, as mulheres representam 8,2% das vítimas de tortura. A pesquisa se assemelha a outras publicadas quando conclui que a mulher sofre mais violência nos Estados do Nordeste, em que pese a diferença entre as outras regiões, como Sul e Sudeste não seja grande.
É fundamental ressaltar que o estudo não abrange casos de processos que versam sobre a Lei Maria da Penha. Ou seja, apesar de inúmeras mulheres sofrerem tortura no ambiente de violência doméstica, o estudo lida, especificamente, com quem é autor e vítima nos casos da Lei 9455/97.
Outro dado igualmente alarmante é o número de vítimas de tortura que chegaram a óbito: 24 pessoas, sendo que 14 delas eram suspeitos ou presos, 9 crianças e 1 ex-namorada.
Falha do Estado. Casos que escapam à Justiça por falta de investigação
Diante desse cenário, o estudo aponta como urgente que o Estado brasileiro adote medidas para melhor prevenir a tortura praticada pelos agentes públicos, assim como se esforce para que, havendo o envolvimento desses atores, sejam produzidas provas suficientes para esclarecer o caso, uma vez que a insuficiência de provas é motivo de grande parte das absolvições.
Nesse sentido, o estudo conclui que se uma das maiores dificuldades para a obtenção de provas é justamente o fato de o crime de tortura ser um crime de oportunidade – e, portanto, cometido nos momentos em que não há testemunhas – a criação de mecanismos de monitoramento dos espaços onde ocorre se faz ainda mais relevante.
Na comunidade científica, algumas medidas são pensadas, tanto para diminuir a incidência de tortura, quanto para obter maiores mecanismos de prova. Dentre elas, a instalação de filmadoras em viaturas policiais, como também a instalação de circuito interno em salas prisionais.