Fórum Justiça

LUTA PELO TERRITÓRIO NO RIO DE JANEIRO

08/01/2013

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Especulação imobiliária – Luta pela moradia

As leis garantem direitos que a ação do Estado ignora

Alexandre Anderson sobreviveu a seis tentativas de assassinato. Hoje vive com escolta armada 24 horas por dia. Foi escoltado que ele compareceu na sede do CRESS para realizar a entrevista para o Praxis. Presidente da Associação Homens do Mar (Ahomar), com mais de 3 mil pescadores artesanais da Baía de Guanabara associados, Alexandre Alexandre não é policial e nem é procurado pela polícia. Apenas um pescador que, com seu grupo, luta em defesa do “espelho d’água” da Baía, o território dos pescadores, segundo ele.

Três pescadores foram assassinados. Em 2009, depois que Paulo César dos Santos Sousa foi espancado e morto diante da família, Alexandre e sua esposa, Deize Meneses, entraram no Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos ligado à Presidência da República.

Apesar disso, a Delegacia de Polícia da praia de Mauá, em Magé, onde funciona a Ahomar, foi desativada em 2012. Em junho, Almir Nogueira de Amorim e João Luiz Telles Penetra (Pituca) foram assassinados enquanto pescavam.

Desenvolvimento industrial x qualidade de vida.

Em 2000, um grande vazamento de petróleo da Petrobras afetou a pesca artesanal. Até hoje, muitos pescadores esperam a indenização pela perda de produção. Para piorar, grandes obras de ampliação da indústria petrolífera seguem castigando a região. Entre elas, a construção de dutos, exatamente na área mais profunda da Baía, onde chegam as espécies de peixes migratórios. Ao longo dos dutos, foi criada uma área de proibição da pesca de 10 km de largura.

Um estudo realizado por pesquisadora da UFRJ, junto com a Ahomar, mostrou que, de 2000 a 2010, a área usada pelos pescadores caiu de 78% da Baía, para 12%.

Além de lutar contra a destruição da vida na Baía e defender o direito dos pescadores a indenização, a Ahomar
atende aos pescadores em várias outras questões. Entre elas, segundo Alexandre, “fizemos mutirão para garantir o auxílio-maternidade para as mulheres de pescadores”. Perguntado sobre a articulação com o CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) local, o pescador foi evasivo. “Tenho muito respeito pelas assistentes sociais. Mas tem uma blindagem”… reflete, sem concluir a frase.
Os Estudos de Impacto Ambiental dos empreendimentos industriais da Baía identificam a presença de atividade pesqueira. “Mas não falam nos pescadores. Somos invisíveis! Eles identificam a atividade, mas não os seres humanos”, critica Alexandre, que apresenta mais uma reivindicação:
“Quero, um dia, se tiver tempo e vida, tentar, junto com os companheiros, obrigar todo estudo de impacto ambiental a colocar o pescador presente, apontado no estudo, não como do meio antrópico, mas da fauna. O pescador artesanal se iguala à fauna.”

Porto Maravilha: Solo útil é solo que se vende

“Uma nova cidade está nascendo”, diz a propaganda que cobre os tapumes de obra na região portuária do Rio de Janeiro. Segundo a assistente social Caroline Rodrigues, membro da Secretaria do Fórum Comunitário do Porto, “a Prefeitura diz que: a área está em desuso, e vamos dar um uso.”
Apesar de dados da própria Prefeitura mostrarem que a região tem 22 mil habitantes. Além dos habitantes, há dezenas de espaços culturais não comerciais ameaçados de remoção pelo projeto.

Para Caroline, que se envolveu com a região em função de sua pesquisa de mestrado, o objetivo é “colocar a terra para uso do mercado, não se questiona sua função social”.
O empreendimento ameaça não só a moradia, mas também a história cultural da cidade, “apesar do discurso de preservação”, diz Caroline.

Quem administra o megaempreendimento que tem removido famílias da região é a Porto Novo, consórcio que reúne Odebrecht, OS e Carioca. A empresa também é responsável por todos os serviços públicos, de promoção de “habitações de interesse social” a iluminação e coleta de lixo. Quem fiscaliza é a CDURP (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto do Rio de Janeiro), a maior parceria público/privado, em volume de investimentos públicos, do país.
Há um conselho que, conforme a lei, garante o controle social. Mas o representante da sociedade civil foi indicado pelo prefeito.

A Prefeitura prevê que 832 famílias, em toda a região do Porto, terão suas casas demolidas. Não há nenhuma garantia de
qual será o destino dessas famílias. O destino do terreno, ao contrário, já se anuncia: a própria Odebrecht incorporou terrenos e vai construir quatro grandes espigões na Av. Rodrigues Alves. Num dos edifícios, que será comercial, já é possível comprar ou contratar o aluguel de uma sala.

O Fórum Comunitário do Porto, formado inicialmente por pesquisadores e militantes no gabinete do vereador Eliomar
Coelho, acabou indo funcionar dentro da Providência. “As casas começaram a ser marcadas, sem que se desse nenhuma informação aos moradores”, conta Carolina. O Fórum tornou-se um espaço de resistência para os moradores da Providência. Mas falta articulação entre os diversos grupos ameaçados pelas obras do Porto Maravilha.

As remoções e as obras, alterando profundamente a paisagem do local, já começaram. Nenhum trabalho técnico-social foi feito antes. Segundo a pesquisadora, “não houve, não está havendo e dificilmente haverá.”

“O que há é a UPP Social. Nela há equipe de Serviço Social, com os limites impostos por estar ligada às Secretarias de Segurança Pública e de Direitos Humanos, ao mesmo tempo. O trabalho que assistentes sociais estão
fazendo é mobilizar os atores impactados por essas mudanças e colocá-los em diálogo,” analisa Caroline.

Mas na hora de demolir a praça no alto do Morro da Providência, a UPP colocou policiais fortemente armados para impedir a resistência popular.

Expropriação de terras: Dos interesses coloniais à bolsa de valores

A expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios faz parte da história do Brasil, desde a colonização. Mas, até 1850, ainda reconhecia-se o direito de posse sobre a terra onde se vivia. Com o cercamento das terras, a partir do Estatuto da Terra, a posse se subordinou à propriedade. “O mercado torna-se o mediador e, dali em diante, ocupar terra depende de renda, porque é preciso comprar”, explica a assistente social e professora da UERJ, Isabel Cardoso. Esta ainda era uma relação mercantil com o território.

Para Isabel, o desenvolvimento capitalista nas sociedades latino-americanas traz “um componente muito forte de expropriação”, na raiz da nossa formação social.
As remoções de favelas existem há muito tempo. “As populações eram removidas por higienismo social, mas também para subordinar a terra à valorização do capital imobiliário”, analisa Isabel.

Para a professora, que também é membro da Comissão de Direito à Cidade do CRESS-RJ, “a diferença, hoje, é que neste capital imobiliário está o mercado financeiro”.
Fundos de pensão, fundos públicos como o FGTS – que investiu 4 bilhões na compra de certificados de potencial
de construção, na zona portuária do Rio, demonstram os interesses em jogo.

Na lógica financeira, o investimento tem que gerar muito lucro. “Se aplico recursos desses fundos onerosos em operações urbanas, o dinheiro tem que reverter em juros, dividendos”, detalha Isabel. A consequência prática é que “vivemos, hoje, um momento de maior violência nas formas de expropriação da terra”.

Justiça ambiental: “O solo é só um aspecto do espaço”

O conceito de território não se limita à dimensão física e geográfica, ele inclui relações que se estabelecem neste
espaço, que constroem seus sentidos.

Os pescadores da Ahomar, segundo Isabel, “demandam uma legislação que regule o espaço dos mares, das
lagoas, no sentido desse uso”. Para as populações tradicionais, como os pescadores artesanais, os quilombolas etc.,
o que define a relação com o espaço são as formas de uso.

A Petrobras se apropriou do território da Baía de Guanabara, degradando e ocupando. “O que os pescadores colocam é que existe um uso e uma forma de ocupação deste espaço que é diferente do que a empresa Petrobras estabelece”, analisa Isabel. Para ela, é a mesma discussão que os quilombos apresentam.

A luta das populações tradicionais, segundo Isabel,
“coloca o conflito num lugar extremamente importante: é a reivindicação de que as formas de uso e ocupação
prevaleçam às formas de troca.” O que essas populações valorizam é “a história e a memória do lugar, que passa pela vida cotidiana, pela formação do sentido de pertencimento.” De certa forma, a favela e, em especial a região do porto (patrimônio cultural da cidade), enfrentam a mesma questão.

“Como falar em história, em memória, numa sociedade em que as relações sociais precisam ser efêmeras, como as mercadorias?”, reflete Isabel. “Isso estabelece outra relação entre natureza e sociedade. Não é à toa que as populações tradicionais trazem um discurso ambiental forte.
De justiça ambiental. A preocupação não é só se estão perdendo os peixes. O que eles colocam é: por
que os riscos ambientais se territorializam sempre sobre populações mais vulneráveis? Por que a injustiça ambiental tem esse recorte de classe?”

O desafio do assistente social

“Nós avançamos muito em legislação que proteja, inclusive, essas formas de uso e ocupação. O que não nos falta são leis. O embaraço de todas essas cenas é mostrar o limite estrutural da democracia nesse estágio da sociedade capitalista.”

De acordo com a lei, todo projeto urbanístico tem que avaliar e minimizar os impactos sociais. Por isso, é obrigatória a presença de assistente social na elaboração do projeto. Na prática, porém, um escritório de arquitetura elabora o projeto.

“O que define o trabalho social, pela normativa no 8/2009 do Ministério das Cidades, extrapola em muito a autonomia de um assistente social”, critica Isabel. “A normativa afirma como deve ser o trabalho social, mas não trabalha com a dinâmica real da vida, marcada por esses conflitos.”

Os projetos urbanísticos empurram os pobres para as periferias cada vez mais distantes, onde o terreno tem menor valor de troca. São espaços pobres de investimento do Estado em infraestrutura urbana. Mas não se faz estudo sobre as condições de moradia do local.
O trabalho social, então, que deveria intervir no planejamento, propondo soluções que mantivessem as pessoas em áreas de densidade urbana, fica “reduzido a esse lugar subordinado de administrar o conflito dos péssimos projetos físicos, da produção de moradia desigual, que reproduz padrões de segregação urbana”. Os problemas criados são muitos. Isabel exemplifica: “Como a moradia não foi bem elaborada, o assistente social tem que se preocupar com geração de trabalho e renda e outros aspectos sociais, dependendo da instituição onde atua.”

Mas, segundo Isabel, o Serviço Social já acumulou conhecimento crítico a este lugar de “fazer a gestão da pobreza”. As condições de trabalho impõem limites significativos à atuação do assistente social. No entanto, embora precise reconhecê-los, para não cair no erro do voluntarismo, também não é preciso subordinar-se “de forma acrítica, a uma divisão técnica do trabalho, onde se separa o projeto físico e geográfico do projeto social”.
Para Isabel, “é tarefa de assistentes sociais, atuando nas diversas políticas sociais, qualificar este campo de disputas de concepções de território”.

http://www.cressrj.org.br/download/praxis/praxis67-ok.pdf

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