Manifesto em defesa das cotas raciais nos concursos da Defensoria Pública de São Paulo
As adesões de pessoas, entidades e movimentos populares podem ser enviadas para o endereço eletrônico cotasnadefensoriasp@gmail.com
O republicanismo e a democracia constituem-se como pilares fundamentais da organização do sistema jurídico e político brasileiro. O republicanismo impõe o dever de combate a todas as formas de privilégio. Já o princípio democrático coloca ao Estado a obrigação de legitimar suas ações perante os cidadãos, os únicos titulares da soberania.
Os séculos de escravidão e da reconhecida omissão do Estado brasileiro em relação à desigualdade produziu inaceitáveis desvantagens para pessoas negras, que se refletem no preenchimento de cargos públicos. Não há respeito aos valores republicanos onde a cor da pele é uma barreira à participação de pessoas nas instituições fundamentais do Estado. Não existe democracia quando parte significativa da população não pertence aos espaços políticos de poder e prestígio. E a cidadania é uma quimera quando ser negro ou indígena é fator restritivo ao pleno exercício de direitos fundamentais.
Da mesma forma, a persistência do racismo e a omissão do poder público em combatê-lo são incompatíveis com os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF), a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF), a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF) e, principalmente, a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. O racismo – e o privilégio racial que dele decorre – também mostra-se inconciliável com os princípios administrativos da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência (art. 37 da CF).
O contexto atual reflete o distanciamento histórico das políticas de Estado de ações efetivas para o enfrentamento do problema, cuja existência ainda é negada por boa parte da sociedade brasileira. A conclusão é extraída do relatório publicado pela Organização das Nações Unidas no último mês, que alerta para a presença de racismo estrutural e institucionalizado no Brasil: “O Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial e alguns órgãos do Estado são caracterizados por um racismo institucional, nos quais as hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais”.
É imperiosa a ação do Estado e de suas instituições para combater as profundas desigualdades que se reproduzem na sociedade brasileira. Por isso a importância da proposta de implementação de cotas raciais nos concursos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A adoção de ações afirmativas teria um impacto extremamente positivo em uma instituição como a Defensoria Pública, cujos fins institucionais estão diretamente vinculados à luta contra todas as formas de exclusão. Acreditamos que a presença de defensores e defensoras negros e indígenas legitimaria a instituição frente à sociedade a que deve servir, pois dentro dela, parte dessa sociedade estaria representada.
Além da própria Constituição, a política de cotas raciais encontra amparo na legislação infraconstitucional e em tratados internacionais assinados pelo Brasil. O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), lei de abrangência nacional, afirma em seu art. 39 que “o poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas”. Os textos da Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, reforçam o cabimento das cotas raciais para pessoas negras e indígenas nos concurso públicos para ingresso nas carreiras da Defensoria Pública de São Paulo. Portanto, já existem leis que permitem à Defensoria paulista, no uso de sua autonomia funcional e administrativa (inciso IV, do art. 7º, da lei 988/2006), implementar a política de cotas raciais nos concursos.
Ao ampliar as possibilidades de que membros de grupos sociais historicamente discriminados participem de seus quadros, a Defensoria Pública de São Paulo abre-se para uma recomposição política e econômica do tecido social que se manifesta das seguintes formas: a) fortalecimento dos laços sociais, impedindo o isolamento de grupos e retirando a força de práticas discriminatórias; b) exercício da pluralidade de visões de mundo e a dedução de interesses aparentemente específicos do grupo, que agora, com voz ativa, poderá participar da produção de um “consenso”, dando legitimidade democrática às normas de organização social; c) redistribuição econômica, vez que a maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho é característica marcante em membros de grupos historicamente discriminados.
Por estes motivos, manifestamos nosso apoio à proposta e consideramos como um dever do Conselho Superior a imediata aprovação da política de cotas raciais nos concursos de ingresso nas carreiras da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
ASSINAM:
ALBERTO ALONSO MUÑOZ, Juiz de Direito em São Paulo
ALDIMAR DE ASSIS, Presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo
ALESSANDRA TEIXEIRA, Advogada, Socióloga e Pesquisadora do Observatório de Segurança Pública da UNESP/Marília
ALEXANDRE DOS SANTOS CUNHA, Advogado
ALEXANDRE PACHECO MARTINS, Advogado criminalista
ALINE DO COUTO CELESTINO, Defensora Pública do Estado de São Paulo
ALLYNE ANDRADE E SILVA, Advogada
ALYSSON LEANDRO MASCARO, Professor Associado da Faculdade de Direito da USP
ANDRÉ AUGUSTO SALVADOR BEZERRA, Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
ANDRE PIRES DE ANDRADE KEHDI, Advogado, Membro da Diretoria do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e do Conselho Consultivo da Ouvidoria da DPESP
ANTONIO MAFFEZOLI, Defensor Público do Estado de São Paulo
AUGUSTO WERNECK, Procurador do Estado do Rio de Janeiro
AUTIERES OLIVEIRA COSTA, Advogado
BEATRIZ DE FARIA SCOTTON, Bacharelanda em Direito na PUC/SP e Estagiária da Defensoria Pública da União
BEATRIZ DE SANTANA PRATES, Bacharelanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Servidora da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
BORIS CALAZANS DOS SANTOS, Procurador do Município de São Paulo
BRUNA LASEVICIUS CARREIRA, Bacharelanda em Direito
BRUNO SHIMIZU, Defensor Público do Estado de São Paulo
CAMILO ONODA CALDAS, Doutor em Direito pela USP, Professor Universitário e Diretor do Instituto Luiz Gama Página 4 de 10
CARLOS HENRIQUE SANTOS SOUZA, Advogado e Pesquisador do GPTC/USP
CARLOS MIRANDA OLIVEIRA DE JESUS, Advogado
CAROLINA GUIMARÃES REZENDE, Defensora Pública do Estado de São Paulo
CÉSAR AUGUSTO BALDI, Servidor Público do Tribunal Regional Federal – 4ª Região
CLAUDIA ABRAMO ARIANO, Defensora Pública do Estado de São Paulo
CLAUDIA PACIULLI AZEVEDO PARISE, Advogada
CLEYTON WENCESLAU BORGES, Advogado, Militante Antirracista e Membro da UNEafro Brasil
DANIELA CRISTINA SILVA, Advogada
ELAINE MORAES RUAS SOUZA, Defensora Pública do Estado de São Paulo
ÉRICA MEIRELES DE OLIVEIRA, Bacharelanda em Direito na USP e Presidente da Associação de Servidores da Defensoria Pública de São Paulo
ESTELA WAKSBERG GUERRINI, Defensora Pública do Estado de São Paulo
EVELINE CORREIA GONÇALVES, Professora aposentada da Universidade Federal da Bahia
FABIEL HENRIQUE NASCIMENTO, Oficial de Defensoria no Estado de São Paulo, Bacharelando em Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais e Graduando em Serviços Jurídicos e Notariais
FABIO DE SÁ E SILVA, PhD em Direito, Política e Sociedade (Northeastern University) e Pós-doutorando no Programa de Profissões Jurídicas da Harvard University Law School
FÁBIO KONDER COMPARATO, Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP, Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra
FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO, Advogado
FELIPE DE PAULA OLIVA, Servidor Público do Estado de São Paulo
FERNANDA DARCIE CAMBAÚVA, Advogada
FERNANDA FERNANDES GOMES ROZO, Defensora Pública do Estado de São Paulo
FERNANDA PENTEADO BALERA, Defensora Pública da Regional Infância e Juventude do Estado de São Paulo
FLAVIO SIQUEIRA JÚNIOR, Advogado da Conectas Direitos Humanos
FRANCISCO DE BARROS CROZERA, Advogado da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo (CNBB)
FREI DAVID SANTOS OFM, Diretor Executivo da Educafro
GABRIELA PRIMO COSTA NOGUEIRA MOLLO, Estagiária da Defensoria Pública de São Paulo
GIANCARLO SILKUNAS VAY, Defensor Público do Estado de São Paulo, membro do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da DPESP
GILBERTO BERCOVICI, Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP
GLAUCIA MARIA TORRES CALAZANS, Advogada
GUILHERME AUGUSTO RAMOS ALVES, Bacharelando em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie
ISABELA VIRIATO POMBO, Bacharelanda em Direito na PUC/SP
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PHILIPE ARAPIAN, Advogado
RAFAELA PONTES DE LIMA, Bacharelanda em Direito na Universidade Federal do Paraná
RAIANE AZEVEDO, Jornalista
RENAN QUINALHA, Doutorando na USP, Militante em Direitos Humanos e Advogado da Comissão da Verdade de São Paulo
RENATA GOMES DA SILVA, Advogada
RENATO STANZIOLA VIEIRA, Advogado
ROBERTO LUIZ CORCIOLI FILHO, Conselheiro da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Juiz de Direito em São Paulo
RODOLFO DE ALMEIDA VALENTE, Advogado, Coordenador do Instituto Práxis de Direitos Humanos e Membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria da DPESP
RODRIGO ROMEIRO, Especialista em Políticas Públicas do Estado de São Paulo e Membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral
RODRIGO SALGADO, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
ROSÂNGELA CRISTINA MARTINS, Advogada Feminista
RUTE ALONSO DA SILVA, Lésbica e Feminista, Conselheira Municipal LGBT da Cidade de São Paulo
SHEILA C. NEDER CEREZETTI, Professora da Faculdade de Direito da USP
SHEILA DE CARVALHO, Advogada
SILVIA CURIÁ DE MELO CABRAL, Engenheira Civil
SILVIO LUIZ DE ALMEIDA, Doutor em Direito pela USP, Presidente do Instituto Luiz Gama e Professor Universitário
SINVALDO JOSÉ FIRMO, Advogado e Coordenador do Departamento Jurídico do Instituto do Negro Padre Batista
SOLANGE GONÇALVES DIAS, Advogada e Professora Universitária
SONIA REGINA ARROJO E DRIGO, Advogada
STACY TORRES, Advogada da equipe de Direito à Cidade do Instituto Pólis
STELLA PINHEIRO BRANCO, Arquiteta e Urbanista
TAMIRES GOMES SAMPAIO, Presidente do Centro Acadêmico João Mendes Junior e Bacharelando em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie
TATIANA ROBERTA RIBEIRO YAMAÇAKE
THIAGO DE LUNA CURY, Defensor Público do Estado de São Paulo
VANESSA MEDRADO WICA, Advogada
VERÔNICA DOS SANTOS SIONTI, Defensora Pública do Estado de São Paulo
VINICIUS CAMARGO HENNE, Defensor Público e Subouvidor da Unidade Carapicuíba da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
VINICIUS CONCEIÇÃO SILVA SILVA, Defensor Público do Estado de São Paulo
VINICIUS MAGALHÃES PINHEIRO, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
VIVIAN SOUZA DA ROCHA BARBOSA, Assistente Social
WAGNER BARCELLO CLEMENTE, Advogado
WAGNER GIRON DE LA TORRE, Defensor Público da Unidade Taubaté do Estado de São Paulo
WILLIANS MENESES DA SILVA, Bacharel em Direito
YOLANDA DE SALLES FREIRE CÉSAR, Defensora Pública do Estado de São Paulo
TAMBÉM ADEREM AO MANIFESTO:
Articulação Justiça e Direitos Humanos – JUSDH
Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular
Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Central de Movimentos Populares (CMP)
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Comissão de Ações Afirmativas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP
Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Comitê contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica
Conectas Direitos Humanos
Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN)
Educafro
Escola de Governo
Frente de Esquerda da Universidade Federal do Paraná
Frente Perspectiva – Coletivo de Bacharelandos de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Grupo de Trabalho “Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo” da Faculdade de Direito da USP
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Instituto Luiz Gama
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular do Paraná (MAJUP-PR)
Movimento Mães de Maio
Núcleo de Consciência Negra na USP
Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
Rede 02 de Outubro
Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo
UNEafro Brasil – União de Núcleos de Educação Popular para Negros(as) e Classe Trabalhadora
União dos Movimentos de Moradia (UMM)