Carta – “O Mal-Estar Judicial: Propostas para o Sistema de Justiça Brasileiro”
Senhor Ministro José Antônio Dias Toffoli
Presidente do Conselho Nacional de Justiça – CNJ
República Federativa do Brasil
Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil, na sequência do seminário “O Mal-Estar Judicial: Propostas para o Sistema de Justiça Brasileiro” (Brasília-DF, 13 a 15 de setembro de 2018) e conectadas com parcela significativa da população brasileira, vêm apresentar as seguintes considerações.
O déficit democrático do sistema de justiça tem criado uma insatisfação na sociedade brasileira. Aliado à composição pouco diversa, a justiça do Brasil encontra-se afastada dos dramas complexos da população brasileira e pouco permeável à mudança. Questões básicas como o direito à moradia e ao território, o direito à manifestação, ao trabalho e salário dignos, à educação decente, à saúde e a uma vida livre de violência e discriminação, quando tratadas na jurisprudência e na prática das Cortes escapam, em grande medida, dos paradigmas de direitos humanos, transformando o sistema de justiça em obstáculo à jovem democracia brasileira e ao Estado de direito.
Nosso sistema de justiça autoriza práticas reiteradamente violentas dos agentes públicos em crises sociais, além de não garantir a proteção dos defensores e defensoras de direitos humanos. A seletividade das decisões judiciais está expressa em mecanismos de exclusão de grupos subordinados a partir de critérios de gênero étnico-racial e de classe, como o reiterado encarceramento da população negra, periférica e majoritariamente apartada e reproduz padrões estruturais de discriminação.
A concessão de privilégios para integrantes das carreiras da justiça em desconexão com a crise econômica verificada no país agudiza o processo histórico de elitização do Poder Judiciário. Aos altos salários da magistratura somam-se os do Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Geral da União. Também o superdimensionamento das estruturas físicas: veículos, diárias, viagens em classe executiva, e outras regalias, tornam o Judiciário brasileiro além do mais caro do mundo, alvo de legítimas e razoáveis críticas.
O projeto de sociedade assegurado pela Constituição Federal não está sendo minimamente realizado pelo sistema de Justiça no Brasil e isso tem aprofundado a exclusão social e a violência. O silêncio do Supremo Tribunal Federal frente a crescente militarização das instituições brasileiras é um elemento preocupante por sugerir ameaça à independência dos Poderes da República.
Na resistência democrática, do norte ao sul do Brasil, encontramos ações emblemáticas de transformação social, como projetos de justiça comunitária, juristas leigos, consultas populares, tribunais de opinião, assembleias de consenso, agentes comunitárias de justiça, audiências públicas, dentre outras. A participação cidadã é assim ressignificada, incorporando características pluriétnicas, raciais, culturais e de gênero do povo brasileiro, raramente presentes no atual sistema de justiça.
Para superar esse déficit democrático é preciso que o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça relembrem e reafirmem suas reponsabilidades constitucionais para com a sociedade brasileira e assumam um papel estratégico na garantia e promoção dos direitos.
No momento de reflexão sobre “Qual a justiça que queremos?”, vimos convidá-lo a participar desse diálogo com a sociedade civil organizada, movimentos e coletivos pela construção de um outro sistema de justiça substancialmente democrático.
Brasília, 14 de setembro de 2018.
Assinam:
ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária
APIP – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Cabelaço
Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais
CDHS – Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
CDVHS – Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa
CEDD/FDRP/USP – Centro de Estudos em Direitos e Desigualdades
CENDHEC – Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Centro Popular de Direitos Humanos
Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa e Ação
Coletivo A Cidade que Queremos
Coletivo Catarse
Coletivo de Juristas Negras de Pernambuco
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Comissão Brasileira de Justiça e Paz
Conectas Direitos Humanos
CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Consórcio Lei Maria da Penha
CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores
FIAN Brasil
Fórum Cearense de Mulheres
Fórum Justiça
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Grunec – Grupo de Valorização Negra do Cariri
Inegra – Instituto Negra do Ceará
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Joaquín Herrera Flores
Instituto Pró-Bono
Instituto Terramar
IPDMS – Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais
JusDH – Articulação Justiça e Direitos Humanos
Justiça Global
LADIH – Laboratório de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro
MLB – Movimento de Luta nos Bairros,Vilas e Favelas
MLC – Movimento Luta de Classes
Movimento de Mulheres Olga Benário
MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política
Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública da Bahia
Ouvidoria-Geral Externa da Defensoria Pública do Ceará
Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul
PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular
Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco
Rede de Mulheres Negras/Pernambuco
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
Terra de Direitos
Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos
Uiala Mukaji – Sociedade de Mulheres Negras
UP – Unidade Popular pelo Socialismo
Vigência