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Confira a Relatoria sobre a Roda de Conversa A Criação da Ouvidoria na DPMG e o Papel da Sociedade Civil para o Fortalecimento do Acesso à Justiça

20/07/2021
Democratização do Sistema de JustiçaTerritórios

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 RELATORIA

 Roda de Conversa “A criação da Ouvidoria na DPMG e o papel da sociedade civil para o fortalecimento do acesso à justiça

Data: 29 de junho de 2021

       Horário: 19h às 21h

 

Organização: Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fórum Justiça, Rede Nacional de Advogados/as Populares (RENAP), Centro de Direitos Humanos e Empresas (Homa), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil.

 Introdução

 No Brasil, após mais de uma década da Lei Complementar 132/2009 que prescreve a implementação de Ouvidorias Externas em todas as Defensorias Públicas do país, somente 14 estados possuem este órgão. No estado de Minas Gerais, apesar de o planejamento estratégico da Defensoria Pública do Estado (DPE/MG) prever a implantação até 2023, ainda não foram dados passos significativos para a materialização deste objetivo.

Com o intuito de discutir e aprofundar o debate sobre a necessidade da criação da Ouvidoria Externa na Defensoria Pública de Minas Gerais, foi realizada uma roda de conversa, em 29 de junho de 2021, a partir da mobilização dos movimentos sociais e da academia como pilares desse processo. A Ouvidoria Externa é fundamental para aprimorar os serviços da Defensoria em demandas coletivas e estruturais, reforçando a escuta ativa dos grupos atendidos pela instituição e permitindo à sociedade acompanhar a governança do acesso à justiça no estado. É uma ferramenta de democratização, efetivação de direitos, de transparência e de efetividade econômica em inúmeras áreas, como crimes ambientais, violência, raça e gênero, como bem demonstrado pelas Ouvidorias já implementadas em outras Defensorias Públicas do Brasil.

O debate contou com a presença de 40 participantes entre defensoras e defensores públicos, ouvidoras/es, professoras/es, pesquisadoras/es e representantes de movimentos sociais, e se concentrou na relevância e no papel da Ouvidoria, trazendo exemplos de casos de sucesso, ressaltando os benefícios que a ouvidoria pode oferecer não só para os assistidos, mas também para a própria Defensoria Pública, e deixando evidente a diferença entre uma Ouvidoria e uma Corregedoria.

A roda de conversa iniciou com as falas de Fernanda Lage, integrante da Rede Nacional de Advogados/as populares (RENAP); Antônia Araújo, Ouvidora Externa da Defensoria Pública do Ceará e vice presidenta do Conselho Nacional de Ouvidorias; Simone Silva, atingida por barragem da cidade de Barra Longa e integrante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB); Bruno Milanez, do Observatório do Rio Doce e a rede de pesquisa do Rio Doce; e Ana Claudia, da ColetivA Defensoras Públicas. Posteriormente, o debate foi aberto para o público, seguindo a metodologia do tripé, que consiste em promover uma participação igualitária nas falas por parte dos atores do sistema de justiça, movimentos sociais e academia, para dessa forma escutar as diferentes perspectivas.

A seguir, serão ressaltados os principais pontos que surgiram ao longo do debate.

A Ouvidoria em MG: uma pauta antiga

Um dos aspectos mencionados no debate é que a pauta pela ouvidoria em MG é uma pauta antiga. Em 2012, a ativista de direitos humanos Luciana Zaffalon apresentou  para os defensores públicos de MG o que era uma Ouvidoria. Posteriormente, em 2016, a pauta começa a se solidificar um pouco mais. Nesse ano, a Ouvidoria foi criada formalmente, mas a sua implementação depende da criação do cargo, que, por sua vez, depende de uma lei específica. Com a Lei Complementar 173, há uma limitação para a criação de novos cargos no momento dentro da DPMG, sendo uma das razões para a não criação do cargo de ouvidor, considerando que antes da pandemia o estado já estava no limite prudencial.

A sociedade civil tem pressionado para a criação da Ouvidoria. Em 2018, a RENAP, em articulação com o Conselho Nacional de Ouvidores Externos e com a participação do Fórum Justiça, realizou um evento com movimentos populares na ocupação Tina Martins, que resultou no primeiro manifesto entregue ao Conselho Superior da Defensoria Pública pedindo a criação da Ouvidoria. Da mesma forma, existe um segundo manifesto dos movimentos, organizações e coletivos populares da sociedade civil em Minas Gerais pela criação da Ouvidoria externa da DPMG, resultado do seminário realizado no dia 10 de junho de 2021 com movimentos sociais[1]. Além disso, após a roda de conversa aqui relatada, foi organizada no dia 08 de julho uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para debater a criação da Ouvidoria[2]. De acordo com as informações da (DPE/MG), a previsão é que no primeiro semestre de 2022 o projeto de lei seja enviado para a Assembleia.

O papel da Ouvidoria

Um tema debatido ao longo da roda de conversa se relaciona com o papel da Ouvidoria Externa da DP. Nesse sentido, foi ressaltado que as Ouvidorias contribuem para a criação de processos participativos e democráticos, pois são um canal que permitem o diálogo e a participação da sociedade civil para a construção de políticas públicas de acesso à justiça. Para a população em situação de vulnerabilidade, como os atingidos por barragens ou a população negra, a Ouvidoria representa um alento, pois busca trazer a justiça para mais perto do povo.

A Ouvidoria é um órgão estratégico tanto para a Defensoria Pública como para o assistido. A Defensoria Pública na Constituição de 1988 veio motivada pela necessidade de combater a desigualdade social. Portanto, nenhum país pode crescer do ponto de vista social sem esse espaço de diálogo e acolhimento das demandas sociais e, para isso, a Ouvidoria torna-se fundamental. A função do/a ouvidor/a é de prestar uma escuta atenta e qualificada, dialogar com a Defensoria e a sociedade civil, dialogar com a gestão e ouvir as demandas para pensar em meios de assistir à população. O ouvidor constrói pontes, possibilita que o assistido chegue até o defensor. Assim, a Ouvidoria funciona como uma ferramenta que auxilia a Defensoria Pública a cumprir seu papel de aproximação, escuta e assistência às vítimas.

No caso específico de Minas Gerais, há uma série de rompimentos e de ameaças de rompimentos de barragens e esse mecanismo de participação facilitaria a atuação do defensor numa demanda coletiva, porque aplicaria métodos de escuta ativa,    considerando o entendimento das comunidades sobre os seus próprios desafios. Além disso, a Ouvidoria externa pode facilitar a coleta de provas e a produção de confiança na instituição com mais transparência, o acesso à informação, o controle social e a prestação de contas. Afinal, para ser efetiva não basta que a Defensoria Pública tenha uma sede na localidade, é preciso conhecer a cidade e seus distritos e viver as demandas da comunidade.

Para além da criação do cargo, é preciso atentar para o processo eleitoral adotado para a escolha do/a ouvidor/a. Um processo muito controlado pelo Conselho Superior da Defensoria e que limita a participação popular retira a legitimidade democrática e mina a confiança da sociedade civil na instituição. Isso resulta numa Ouvidoria com dificuldades de cumprir seu papel.  O segundo é o reconhecimento de que, para ser efetiva,

Os receios para a criação das Ouvidorias

A roda de conversa permitiu identificar ao menos duas dimensões que geram receios entre os defensores em relação à criação da Ouvidoria.

Em primeiro lugar, existe uma questão orçamentária. Muitas vezes, argumenta-se que, devido às limitações orçamentárias dentro das Defensorias, não é possível a criação de Ouvidorias. No entanto, como foi levantado, é preciso discutir o orçamento da Defensoria e informar à sociedade civil, pois ela pode cobrar de outros órgãos, como o Poder Legislativo, e lutar por um orçamento que garanta o crescimento da Defensoria e a criação da Ouvidoria. Nesse sentido, é muito importante que a sociedade civil levante essa bandeira, pois ela pode lutar pelo fortalecimento da DPE/MG junto com os defensores.  Contudo, essa deve ser uma via dupla, em que a Defensoria se disponha a ouvir as demandas sociais. Em segundo lugar, tem-se uma ideia errada da Ouvidoria como de Corregedoria, como mecanismo para perseguir os defensores, criar dificuldades ou interferir na autonomia do defensor público. Por conta disso, é preciso ressaltar as boas práticas e experiências de outras Defensorias  com ouvidorias e chamar atenção para a forma como a Ouvidoria facilita processos e contribui para uma atuação mais próxima das vítimas e atendidos.

O crime socioambiental no Rio Doce e no Rio Paraopeba

Minas Gerais tem um enorme passivo ambiental, como foi mencionado ao longo da oficina por diversos participantes. Os diversos crimes ambientais nesse estado trouxeram a realidade das demandas coletivas, as quais não têm sido absorvidas pela Defensoria Pública, tanto pela falta de estrutura, como pela dificuldade de criar mecanismos de diálogo com a sociedade civil.

Para alguns dos participantes que atuam na defesa das populações atingidas, a Fundação Renova, criada para gerir a reparação das vítimas, tem agido em favor das mineradoras e não da população. Nesse caso específico, constata-se a falta de diálogo entre a Defensoria Pública e os atingidos, bem como uma ausência de defensores preparados no território, com exceção de algumas defensoras que atuam por iniciativa própria. Assim, o espaço que está sendo disputado por organizações como a Fundação Renova e advogados privados. Não existe um diálogo com a Defensoria enquanto instituição e sim com pessoas específicas. Portanto, é preciso que a porta da instituição esteja aberta para as vítimas e não só para as grandes empresas. As instituições de justiça são as porta-vozes das vítimas e elas precisam estar presentes no território, ouvir a população, conhecer a sua realidade. É necessário, nesse sentido, pensar em caminhos para operacionalizar a assistência jurídica gratuita, que é um direito, especialmente num contexto de desastre socioambiental.

Além disso, em todas as etapas do processo de reparação, constatam-se dificuldades por parte das vítimas para acessar o sistema de justiça. O primeiro acordo foi feito sem a participação das instituições de justiça e dos atingidos. Depois, as instituições entraram com o fim de envolver os atingidos, mas enfrentaram  muitas dificuldades. Algumas instituições do sistema de justiça entendem que a participação dos atingidos deve ser  muito limitada, somente homologando o funcionamento do sistema e não interferindo na tomada de decisão. Na discussão atual sobre a repactuação e o envolvimento do Conselho Nacional de Justiça, as instituições de justiça se mostram ainda mais distantes dos atingidos. Há também problemas sérios de articulação entre as próprias instituições de justiça.

Por fim, foi mencionado que a DPE/MG está perdendo uma grande oportunidade de se tornar referência de acesso à justiça na temática de crimes ambientais e de ter uma atuação mais inovadora, rompendo com barreiras institucionais e otimizando o orçamento.  Entidades internacionais estão observando a condução do caso e a inércia da Defensoria em responder a demandas complexas infelizmente conta para o descrédito da instituição. Receia-se que esse descrédito possa pôr em questão a efetividade do modelo público e integral de acesso à justiça, uma conquista da civilização brasileira, devido à dificuldade em cumprir com a Lei, no caso da implementação da Ouvidoria, e aos entraves corporativistas e à baixa capacidade de inovação.

Considerações finais

 Diante dos debates podemos identificar alguns pontos que foram de acordo geral, como a necessidade urgente da criação da Ouvidoria em Minas Gerais e seu potencial papel estratégico para a Defensoria Pública. Também foi evidente a grande preocupação com os crimes ambientais em Minas Gerais e a atual situação de impunidade. Por fim, pareceu consenso que a Defensoria Pública precisa atuar como instituição, para além da atuação individual de defensoras pessoalmente engajadas. Dentre os entraves identificados destacaram-se a questão orçamentária, bem como a ideia errada que se tem da Ouvidoria como de corregedoria.

Encaminhamentos

 Convidar os participantes para a Audiência Pública que foi realizada no dia 8 de julho de 2021.

  • Compartilhar material sobre a Ouvidoria Externa que ajudem no processo de apresentação da proposta da Ouvidoria para os defensores públicos;
  • Convidar a Associação e outros grupos, como a ColetivA, para conversas com o Conselho Nacional de Ouvidorias e seguir fomentando o debate interno;
  • Acompanhar a minuta sobre o processo eleitoral da Ouvidoria;
  • Compartilhar o anteprojeto da lei de Ouvidoria com os participantes.

 

Desdobramentos

  • Infelizmente, o projeto de lei de criação da Ouvidoria, que tramitava na Assembléia Legislativa de Minas Gerais não foi aprovado devido ao vício de iniciativa. O projeto necessita ser apresentado pelo Defensor Público-Geral do Estado, que não o fez até o momento;
  • Logo após esse conjunto de atividades, o Conselho Superior da DPE/MG votou e aprovou o processo eleitoral para o cargo de Ouvidor. Em avaliação comum dos grupos sociais envolvidos, entende-se que esse modelo é muito restritivo à participação social. Segue um modelo já conhecido e aplicado em outro estado e já alvo de importantes críticas por ser o mais restritivo de todos os modelos vigentes. Faz-se necessário um processo de diálogo com a sociedade civil para que o modelo leve em conta um processo aberto, transparente e verdadeiramente democrático.

[1]https://www.brasildefatomg.com.br/2021/06/14/organizacoes-pressionam-por-criacao-de-ouvidoria-externa-da-defensoria-publica-de-mg

[2]O vídeo da audiência pública pode ser acessado neste link

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