Fórum Justiça

Mitigação do princípio a proporcionalidade na prisão preventiva decorrente de violência doméstica

29/05/2012

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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do Espírito Santo

25/05/2012 – 09:43

http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14466

Densa nuvem paira sobre os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, criados pela Lei Maria da Penha, quando o assunto é a questão da prisão preventiva para os casos de descumprimento pelo agressor das medidas protetivas de urgência conferidas à ofendida.

É sabido por Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos que, ao final do processo e julgamento da maioria dos episódios de violência doméstica contra a mulher, não prevê o Código Penal vigente o regime inicialmente fechado para os crimes que tipifica.

Delitos de ameaça e de lesão corporal (leve), os mais frequentes nos Juizados da Mulher, cominam em abstrato, respectivamente, as penas máximas de detenção de 06 (seis) meses (ou multa) e detenção de 03 (três) anos. As penas mínimas de ambos os crimes são diminutas. Raramente se chega na dosimetria da pena ao máximo legal previsto na lei.

Regra geral, a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, por sua vez, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

Ainda assim, a execução da pena privativa de liberdade, não superior a 02 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 02 (dois) a 04 (quatro) anos, mesmo nos casos de violência ou grave ameaça à pessoa.

Diante dessa clara opção do legislador de se estabelecer uma política penitenciária voltada para a ressocialização do condenado fora da prisão, sujeitando-o ao trabalho em colônia agrícola, recolhimento durante o período noturno e nos dias de folga em albergues e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, entre outras medidas que substituem a pena privativa de liberdade, esta última, em verdade, raramente é aplicada aos agressores domésticos.

Dentro dessa equação legal, muitas vozes se levantam contra a decretação da prisão preventiva para os casos de violência doméstica, ao argumento de que essa medida extrema feriria o princípio da proporcionalidade da medida cautelar penal em relação ao provimento final.

Sábia, a Lei Maria da Penha soube estabelecer perfeita sintonia para a questão da prisão preventiva com relação às diversas cominações abstratas para os crimes de violência doméstica. Claro, também para este Diploma da Mulher o encarceramento do agressor é a última profilaxia para contê-lo. Tanto que em seus Arts. 35, V e 45 determina que União, Estados e Municípios criem centros de educação e de reabilitação para os agressores, para participação dos condenados a programas de recuperação e reeducação.

O Art. 42 da Lei Maria da Penha estabeleceu que será admitida a decretação da prisão preventiva se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Esse dispositivo deu nova redação ao Art. 313 do CPP, que voltou novamente a ser alterado pela Lei 12.403/2011, apenas para acrescentar a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo e a pessoa com deficiência, como vítimas a serem amparadas pelas medidas protetivas.

Destarte, o descumprimento voluntário de medida protetiva de urgência pelo agressor provoca sincera inquietação na ordem pública, abalada pela provável reiteração criminosa no agressor, no sentido de voltar a investir contra sua vítima.

Se existe uma determinação judicial para que o agressor se afaste e mantenha distância da ofendida, o descumprimento dessa decisão traduz seu desejo de eliminá-la.

No Brasil, segundo o Mapa da Violência publicado pelo Instituto Sangari (Maio de 2012), uma mulher é espancada a cada cinco minutos.

O verdadeiro holocausto a que mulheres estão sendo submetidas dentro de seus lares em todo o País vem desafiando o Poder Público e seus Agentes, para implementação de novas e efetivas políticas públicas de combate a esse mal que aflige e envergonha a sociedade brasileira.

Tamanha a comoção nacional com esse tipo de violência, que o Congresso Nacional criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista, para investigar a violência contra a mulher. Também discutindo a aplicação da Lei Maria da Penha.

O Espírito Santo ocupa o primeiro lugar em assassinatos de mulheres no Brasil. Durante a passagem da CPI por esse Estado, no início deste Mês de Maio (2012), a Relatora da Comissão, Senadora Ana Rita, fez duras críticas à política de Segurança Pública atual por causa de deficiências no atendimento às vítimas. Ainda, criticou a estrutura precária em delegacias especializadas no atendimento à mulher e a escassez de servidores preparados para atender as vítimas de forma adequada.

Neste funesto cenário ninguém ousaria dizer que o descumprimento de medida protetiva de urgência seria mero atentado à dignidade do processo e à supremacia das decisões do Poder Judiciário.

O inadimplemento pelo agressor das medidas protetivas urgência, em última análise, reflete o seu deliberado desejo de dar cumprimento às suas ameaças acaso a vítima o denunciassem pelas agressões sofridas.

Por isso é que a Lei Maria da Penha excepciona a regra do cabimento da prisão preventiva apenas para crimes dolosos com pena máxima superior a 04 anos, para estendê-la também para os casos de descumprimento de medidas protetivas, com ameaças à integridade física da mulher, a pô-la em situação de risco.

O Eminente e Culto Desembargador SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, integrante do Egrégio Tribunal de Justiça capixaba, em Acórdão de sua relatoria, soube com inegável maestria sintetizar a polêmica da prisão preventiva para os casos de descumprimento de medidas protetivas frente ao futuro provimento final do processo criminal.

A Ementa desse julgado restou vazada nos seguintes termos:

“HABEAS CORPUS. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. PERICULUM LIBERTATIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA EM FUNÇÃO DO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. SEGURANÇA DA MULHER EM SITUAÇÃO DE RISCO DECORRENTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. MITIGAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. Na linha de julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos crimes que envolvam violência doméstica leve, a prisão preventiva deve ser decretada somente como ultima ratio, quando presentes três condições concomitantes: (i) aplicação precedente de uma medida protetiva de urgência; (ii) descumprimento desta medida; (iii) presença dos requisitos da prisão cautelar elencados no art. 312 do CPP, visando assegurar contra o periculum in damnum aos bens jurídicos da vítima.
2. Na hipótese de reiterado descumprimento de medidas protetivas decretadas com base na Lei 11.340⁄06, com ameaças à integridade física de mulher em situação de risco, é impositivo o reconhecimento da necessidade da segregação para atender à garantia da ordem pública.
3. Não se discute a relevância de se atentar para a proporcionalidade da medida cautelar em relação ao provimento final; todavia, nos crimes praticados no contexto da Lei Maria da Penha, é preciso certa mitigação ao denominado Princípio da Proporcionalidade, sob risco de esvaziamento do escopo político-criminal de referida Lei.
4. A Lei 12.403⁄11, ao modificar a redação dos incisos do artigo 313, CPP, estabeleceu como regra – inciso I – o cabimento de prisão preventiva para crimes dolosos com pena máxima superior a 4 anos, excepcionando essa regra para as hipóteses da Lei Maria da Penha – inciso III. Trata-se de verdadeira mitigação legal à proporcionalidade entre a prisão cautelar e o resultado final.
5. Inexiste excesso de prazo quando o processo possui tramitação regular, sem comprovação de culpa da acusação ou do aparato judicial. Eventual atraso quando do inquérito policial, já superado, não acarreta automaticamente constrangimento ilegal por excesso de prazo.
6. Ordem denegada.
(TJES, Classe: Habeas Corpus, 100110039052, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 07/03/2012, Data da Publicação no Diário: 16/03/2012)”.

Insistindo nas preciosas lições do Mestre BIZZOTTO, a Lei Maria da Penha trouxe “verdadeira mitigação legal à proporcionalidade entre a prisão cautelar e o resultado final”, impondo-se a proteção da mulher através da decretação da prisão preventiva de seu agressor, no caso de descumprimento da decisão cautelar protetiva.

A perspectiva de encarceramento preventivo do agressor não deve se correlacionar ao hipotético resultado final do processo, mas, sim, ao desejo de se assegurar à mulher sua incolumidade física e psíquica, esta última já desgastada pelos anos de uma arruinada e traumatizante relação afetiva.

Oportuno salientar que muitas vezes, não é raro, a mulher vítima de violência do lar, não deseja representar criminalmente contra seu agressor, não quer vê-lo processado, não ajuíza queixa-crime, mas ainda assim requer e tem deferida a seu favor as medidas protetivas de urgência. Escoado o prazo decadencial, sequer teremos o processo penal.

Ou seja, a ordem pública é garantida a serviço da proteção da mulher, sem se conjecturar a respeito de uma pena final, tornando absolutamente inaplicável a regra da proporcionalidade da prisão preventiva em relação ao provimento final.

A mulher goza do direito de, durante o prazo decadencial semestral para representar (ou não) e/ou propor queixa-crime, usufruir das medidas protetivas de urgência que se fizerem necessárias, mesmo sem a instauração de processo penal, por tempo ilimitado, até a cessação do estado de perigo.

Na magistral lição da renomada Defensora Pública JÚLIA MARIA SEIXAS BECHARA, em seu judicioso Artigo intitulado “Violência doméstica e natureza jurídica das medidas protetivas de urgência”, in verbis:

“A exigência de futura propositura de ação significaria nova desproteção à vítima, em atendimento a formalismo incompatível com o mecanismo de solicitação da ordem.

Isso posto, conclui-se que a medida protetiva, porque autônoma e satisfativa, não é tutela de natureza cautelar, mas sim tutela inibitória.

Com efeito, ao entregar à vítima o direito material invocado – consistente em sua proteção perante o suposto agressor – dispensa a medida protetiva qualquer outro procedimento, produzindo efeitos enquanto existir a situação de perigo que embasou a ordem (rebus sic stantibus).

A circunstância de a demanda ser fundada em perigo e baseada em cognição sumária – na fase de antecipação de tutela da protetiva – não implica, necessariamente, a caracterização da medida como cautelar.

Cuidando de tal diferenciação, esclarece Luiz Guilherme Marinoni que ‘a mais importante das tutelas jurisdicionais a serviço da integridade do direito material é a tutela inibitória, destinada a proteger o direito contra a possibilidade de sua violação. Para ser mais preciso, a tutela inibitória é voltada a impedir a prática de ato contrário ao direito, assim como a sua repetição, ou ainda, continuação. Se a cautelar serve para assegurar a tutela do direito, pra prevenir a violação do direito não é necessária uma tutela de segurança, mas apenas a tutela devida ao direito ameaçado de violação, ou seja, a tutela inibitória’.

Portanto, uma vez deferida a ordem, porque demonstrada a probabilidade de violação do direito, para sua vigência é suficiente que permaneça a situação de perigo que a lastreou, não havendo que se falar em ajuizamento de processo principal”.

Descumprido o sagrado comando inibitório pelo agressor, para proteção da mulher vítima de violência doméstica ou familiar, a consequência será, assim, a decretação de sua prisão preventiva, com amparo no Art. 313, III, do CPP, a requerimento da Defensoria Pública, do Ministério Público ou mediante representação da Autoridade Policial.

O moderno Direito brasileiro, a partir da Lei Maria da Penha (2006), abandonando sua obsessão apenas pela persecução e punição do acusado, inclina-se agora para a questão da proteção da vítima. E os remédios legais para tanto, de cunho material e processual, vêm surpreendendo seus Operadores, acostumados ao velho CPP de 1941.

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