Pesquisa Revela que Equidade de Gênero e Raça nos Tribunais Segue Baixa Apesar de Normas do CNJ
Mesmo após a criação de normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a garantia de equidade de gênero e raça nos tribunais estaduais do país, a adesão a essas políticas ainda é baixa e faltam mecanismos de fiscalização para torná-las efetivas. É isso que revelam dados de uma nova pesquisa realizada pelo Fórum Justiça, por meio do projeto ColetivAmente, com apoio do JUSTA e da Themis.
O lançamento do estudo ocorre na Casa de Francisca nesta quinta-feira (29) e contou com a participação da juíza Karen Luise, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do CNJ, a escritora Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, e Mariana Yoshida, pesquisadora e juíza do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS). A iniciativa marca o primeiro passo de uma mobilização essencial, protagonizada pela sociedade civil, que se posiciona por um sistema de Justiça mais democrático e inclusivo.
Publicada em 2018, a Resolução CNJ 255 estabelece que todos os Tribunais de Justiça devem tomar medidas para incentivar a participação de mulheres em cargos de liderança, comissões de concurso e como palestrantes em eventos institucionais.
O levantamento do Fórum Justiça, no entanto, mostra que apenas cinco dos 27 tribunais aderiram totalmente a essa norma, enquanto nove aderiram parcialmente. Outros 13 não prestaram informações suficientes para que se chegasse a uma conclusão.
No caso da equidade racial no Judiciário, essa política é regida pelo Termo de Cooperação Técnica (TCT) 53/2022, que depende da adesão de um tribunal para que as obrigações assumidas passem a produzir efeitos.
O TCT firma o Pacto Judiciário pela Equidade Racial e visa fomentar programas, iniciativas e ações baseadas nos eixos de promoção da equidade racial, desarticulação do racismo institucional, sistematização dos dados e a articulação interinstitucional e social para uma cultura antirracista.
A pesquisa constatou que apenas sete tribunais aderiram totalmente às medidas. A maioria dos TJs sequer forneceu informações suficientes para o levantamento, o que demonstra falta de transparência.
Apenas o Tribunal de Justiça do Paraná informou ter aderido completamente a ambas as políticas.
“Uma grande ressalva em relação ao estudo é o baixo índice de respostas dos tribunais aos pedidos de informação, que são respaldados pela Lei de Acesso à Informação. O TJSP, por exemplo, não respondeu a nenhum dos nossos pedidos”, avalia Gabrielle Nascimento, Assistente de Pesquisa do Fórum Justiça, que coordenou a pesquisa com Ana Paula Sciammarella, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Os critérios que utilizamos para tentar estabelecer um panorama para a aderência das normativas nos tribunais na pesquisa são objetivos, mas acendem esse alerta para que possamos ampliar e qualificar as avaliações sobre o comprometimento das instituições com medidas para promoção da equidade de gênero e raça”, reforça Nascimento.
O estudo foi feito através de questionários enviados aos tribunais via Lei de Acesso à Informação, entre os dias 15 e 16 de dezembro de 2023. Ao todo, 14 estados enviaram respostas para questionamentos sobre equidade de gênero e 17 estados enviaram respostas para questionamentos sobre equidade de raça.
O projeto ColetivAmente é um eixo de análise e atuação do Fórum Justiça sobre as desigualdades de raça e gênero no sistema de Justiça. Por meio de uma abordagem interseccional, o projeto busca fortalecer a articulação de mulheres e pessoas negras nas carreiras jurídicas e produzir conhecimento sobre o tema.
>> Leia o resultado completo da pesquisa.
Monitoramento e Aperfeiçoamento
A Resolução CNJ 255/2018 e o Termo de Cooperação Técnica 53/2022 não preveem a criação de estruturas ou organismos específicos para monitoramento e internalização das políticas que tratam. Mesmo assim, alguns tribunais estabeleceram a criação de espaços próprios para acompanhamento e aperfeiçoamento das políticas.
A pesquisa do Fórum Justiça e do ColetivAmente mostra que cerca de 40,7% dos tribunais estaduais criaram estruturas institucionais específicas para política de participação feminina. Outros 7,4% incorporaram essa política a estruturas já existentes, enquanto 51,9% não informaram qualquer criação ou incorporação de novas estruturas relacionadas à política de participação feminina.
Nos tribunais que criaram novas estruturas para a garantia de equidade de gênero, 50% formaram grupos de trabalho. Cerca de 37,5% dos tribunais instituíram Comitês de Incentivo à Participação Feminina, e 12,5% estabeleceram comissões específicas para gestão da política de equidade de gênero.
Em relação ao Pacto Judiciário pela Equidade Racial aproximadamente 22,4% dos tribunais criaram estruturas específicas, sendo que a mesma porcentagem já possuía órgãos existentes responsáveis pelo monitoramento e coordenação dessa política. No entanto, mais de 55% dos tribunais não responderam sobre a existência de tais estruturas.
Entre os tribunais que implementaram novas estruturas, 66,7% optaram pela criação de grupos de trabalho, enquanto 16,7% estabeleceram comitês e outros 16,7% formaram grupos de estudos sobre equidade racial.
Acesso à Justiça
A equidade de gênero e raça no judiciário é uma das principais ferramentas de garantia da democratização do acesso à Justiça no Brasil – política defendida pelo Fórum Justiça ao longo de mais de uma década.
O novo estudo feito pelo FJ reforça que é crucial garantir estruturas organizacionais dedicadas ao acompanhamento e monitoramento da implementação dessa diversidade, além de fortalecer a formação em desigualdades nas escolas judiciais. O Poder Judiciário precisa avançar na institucionalização das políticas nacionais de diversidade dentro do exercício jurisdicional.
A partir dos dados recentes, é necessário investigar e compreender agora quais os temas e estados que enfrentam maior resistência à implementação dessas políticas e os modelos mais facilmente absorvidos e efetivos.
Sobre o Fórum Justiça
O Fórum Justiça é uma organização criada em 2011, no Rio de Janeiro, em uma iniciativa promovida por integrantes do sistema de Justiça, movimentos sociais e academia. A articulação visa contribuir para a construção de uma Justiça democrática, comprometida com a realização dos direitos humanos e orientada pelas demandas dos grupos historicamente vulnerabilizados em nossa sociedade.
Com representantes em diversos estados do país, o Fórum Justiça tem como visão ser um espaço plural e apartidário de articulação, formação e referência na produção de pesquisas, avaliações e propostas de políticas públicas de Justiça.