Vitimologia é Tema Central de Livro e Roda de Conversa na ADPERJ
O lançamento do livro “Vítimas e Controle Punitivo: um percurso pelos discursos acadêmicos no Brasil contemporâneo“, de Maria Gabriela Peixoto, trouxe foco sobre o tema da vitimologia, tradicionalmente relegada a segundo plano nas discussões criminológicas atuais. A autora é ouvidora do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o livro é fruto da sua tese de doutorado em Direito Penal pela UERJ. Na roda de conversa, ocorrida no dia 23 de maio no auditório da ADPERJ, ela expôs seu intuito de trabalhar na obra o contato da mulher vítima com o sistema de justiça criminal, em geral traumático, buscando canais de empoderamento dessas vítimas inspirada em experiências proporcionadas pela vigência da Lei Maria da Penha.
Explorou os discursos desenvolvidos historicamente em torno da figura da vítima, de modo a ressaltar três principais eixos vitimizantes: i) nos anos 60, com a consolidação da vitimologia no país em contexto de ditadura militar, foi proposta a construção de uma ciência sobre a vítima e suas contribuições para a ocorrência do crime. Ao lado das discussões de reforma do Código Penal, teria surgido uma vitmodogmática a embasar ideologicamente as propostas de legislação penal e de política criminal da época; ii) em um segundo momento, ganha força um movimento de contraposição que dá origem a diferentes modalidades de abolicionismos penais, representando uma “postura de vida libertária” que, ao eliminar a categoria do crime, relega os elementos da situação problemática a outro espaços do saber jurídico e a saberes não-jurídicos; iii) por fim, a proposta da justiça restaurativa, na sua procura pelo fortalecimento da figura da vítima no restabelecimento dos danos causados pela situação definida como crime.
A vítima termina por ser caracterizada pelo trauma. Nesse sentido, a autora se pergunta se o direito penal e o sistema penal são os lugares para ser tratado esse conceito típico da psicologia. Vingança, conflito e retribuição por um crime terão um espaço genuíno para serem colocados ou esse lugar será somente o sistema de justiça criminal?
O debate foi seguido pela professora Soraia Mendes, autora do livro Criminologia Feminista, que ressaltou a figura da mulher, que era tida como a vítima perfeita. A mulher tradicionalmente tem sido o exemplo típico da vítima que colabora para o crime: a mulher diz não quando quer dizer sim, pois ao negar a disposição do seu corpo estaria, na verdade, seduzindo seu agressor.
Segundo se pode extrair da sua fala, o sistema penal não somente seleciona os culpabilizados: jovens negros favelizados de baixa escolaridade, mas também seleciona suas vítimas – pessoas brancas de classe média proprietárias, de forma que se pessoas que compartilham do perfil social criminalizado são vitimadas por crimes, é possível que não sejam reconhecidas como vítimas passando a ser criminalizadas pelo sistema penal. E, nesse aspecto, as mulheres não são reconhecidas como vítimas, sendo responsabilizadas pelo ato de seus agressores. Esse fato as faz evitar o registro de suas agressões, o que alimenta o sub-registro dos crimes que sofrem.
Luciana Boiteux, professora da UFRJ, seguiu por caminhos similares, apontando para o florescimento de questões de gênero no campo do direito penal. Segundo ela, a perspectiva crítica em direito penal e criminologia dificilmente fala da vítima, centrando-se na figura do réu ou apenado, isso porque o recurso à vítima em geral é apropriado por um discurso de legitimação do sistema penal. Contudo, olhando mais de perto, réus e vítimas estão muito próximos. Os maior vitimados pela violência são os mesmos segmentos da população alvo da criminalização. Por certo, em nome da vítima se construiu todo um sistema punitivo, mas em nome de qual vítima?
O debate foi fruto de uma parceria entre a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ) e o Fórum Justiça.