Negociada por um terço de seu valor inicial, CSA vira problema no Rio
Após dois anos e meio de problemas ambientais, sociais e trabalhistas, siderúrgica controlada pela empresa alemã ThyssenKrupp é oferecida por € 3,9 bilhões
Rio de Janeiro – Definida como um “empreendimento histórico” pelo governo do Rio de Janeiro quando começou a operar, há dois anos e meio, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) consolidou em 2012 seu lugar entre os maiores fiascos da história do mercado brasileiro. Controlada pela empresa transnacional alemã ThyssenKrupp (73,13%) em sociedade com a brasileira Vale (26,87%), a usina sempre contou com a generosidade do BNDES e o alívio fiscal do governo estadual, mas desde o início de sua construção acumulou problemas sociais, ambientais e trabalhistas. Agora, em meio a uma profunda crise de seu principal controlador, está à venda por um terço do valor que lhe era atribuído em 2010.
A Thyssen quer vender sua parte na CSA e também uma usina “irmã” para processamento e laminação do aço brasileiro que construiu no Alabama com o objetivo de atender à indústria automobilística dos Estados Unidos. O investimento em ambas, que formam a divisão Steel Americas, foi de € 12 bilhões, segundo os alemães, mas a empresa aceita vendê-las por € 3,9 bilhões. Quando os dois projetos foram lançados, ainda antes da crise financeira global, havia forte otimismo quanto ao desenvolvimento do mercado do aço no continente, mas a realidade em 2012 revelou uma retração na demanda que causou um excedente mundial estimado em mais de 500 milhões de toneladas do produto.
O contexto negativo do mercado, aliado a “avaliações prévias excessivamente otimistas” sobre o projeto, como admitiu a direção da Thyssen, fez com que a Steel Americas registrasse este ano um prejuízo de um bilhão de euros, causado em grande parte pela CSA. Esse resultado compôs o impressionante total de € 4,7 bilhões em perdas líquidas no ano fiscal corrente, anunciado pela direção da Thyssen no último dia 10.
No período anterior (o ano fiscal na Alemanha se encerra em setembro), a empresa alemã já havia acumulado perdas de € 1,3 bilhão. O péssimo momento fez com que a Thyssen anunciasse que em 2012, pela primeira vez, não pagará dividendos anuais aos seus acionistas.
Elevado ao cargo somente quando a aprovação da criação da Steel Americas já havia sido decidida, o atual presidente-executivo do ThyssenKrupp, Heinrich Hiesinger, demitiu metade da diretoria do grupo no início de dezembro. Boa parte dos demitidos integrava o grupo de “entusiastas” em relação aos investimentos no Brasil: “O desastre da Steel Americas mostrou que nossa cultura de liderança fracassou. Se continuarmos com o negócio, estaremos cometendo um grande erro”, disse Hiesinger.
Possíveis compradores
Espera-se que a venda da fatia da CSA pertencente à Thyssen seja concluída no primeiro trimestre de 2013. Até agora, a direção da empresa já manteve contatos e fez reuniões com um importante leque de possíveis compradores. Estão no páreo as gigantes Techint (Argentina), Baosteel (China), Arcelor-Mittal (Bélgica/Índia), Nippon Steel (Japão) e Posco (Coréia do Sul). Correndo por fora, estaria a brasileira Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), possivelmente estimulada pela presidenta Dilma Rousseff, que desejaria o controle nacional sobre a CSA. O Palácio do Planalto não confirma essa informação.
Após a definição do comprador, a Thyssen ainda precisará do aval do BNDES para concluir o negócio, já que os créditos do banco destinados – e já desembolsados – à CSA montam a R$ 2,4 bilhões. Uma equipe de técnicos do BNDES fará um estudo de avaliação de riscos após a escolha do novo controlador majoritário da siderúrgica. Se o banco concluir que o escolhido apresenta riscos de não reembolso dos empréstimos concedidos, a Thyssen será obrigada a quitar toda sua dívida antes de concretizar a venda.
O novo dono da CSA terá de negociar também com o Governo do Rio de Janeiro, uma vez que os incentivos fiscais dados à usina fazem parte de uma lei aprovada a partir de um acordo feito exclusivamente com a Thyssen e precisarão ser renegociados. Até 2010, a empresa já recebeu do governo um alívio fiscal ligeiramente superior a R$ 700 milhões por intermédio do programa Rio Invest, que permite à CSA pagar apenas 30% do valor total de seu ICMS.
A negociação envolverá também a garantia de que um dos dois alto-fornos da usina não será desativado. “Vamos retirar todos os incentivos à CSA se o novo dono desligar um alto-forno”, avisa o governador Sérgio Cabral, preocupado com a queda de produção da siderúrgica, hoje estimada em 5 milhões de toneladas de placas de aço anuais. No meio do ano, quando a Thyssen anunciou sua intenção de desligar um dos dois alto-fornos, Cabral já havia feito essa mesma advertência aos alemães.
Meio ambiente
O possível desligamento do alto-forno não foi a única dor de cabeça causada pela CSA ao longo destes dois anos e meio. O já conhecido descaso da Thyssen com o meio ambiente, materializado no Rio pela extensa supressão de manguezal para a construção da usina e pelo comprometimento da capacidade pesqueira na já combalida Baía de Sepetiba, entre outros fatores, atraiu a profunda oposição do movimento socioambiental e algumas ações movidas pelo Ministério Público Estadual. Para piorar, a empresa alemã foi acusada de contratar milicianos armados com o intuito de intimidar pescadores da região que se manifestavam contra o impacto sobre a pesca artesanal, meio de vida de milhares de pessoas na região.
Já em funcionamento, a CSA foi autuada e multada pelo governo do Rio por atentar contra a saúde pública depois que por três vezes – em dezembro de 2010, maio de 2011 e outubro deste ano – uma fuligem metálica extremamente tóxica expelida pelos seus alto-fornos cobriu diversos quarteirões do bairro de Santa Cruz, vizinho à usina. Reincidente, a empresa já foi multada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em mais de R$ 20 milhões. “Já foram três cartões amarelos, mas nossa paciência com a CSA se esgotou. O próximo passo é a suspensão das atividades”, diz o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc.
Problemas trabalhistas
Problemas trabalhistas também perseguem a CSA desde sua origem, quando um inusitado episódio de contratação e “importação” de operários chineses para trabalhar na construção da usina provocou a ira das centrais sindicais. Uma ação do Ministério Público do Trabalho resultou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por parte da empresa. Atualmente, a CSA tem 5,5 mil empregados diretos, segundo a Thyssen.
Para cumprir o TAC, mesmo em meio ao processo de venda, a CSA anunciou em dezembro que destinará R$ 4,5 milhões nos próximos três anos para a qualificação profissional de seus empregados. Os cursos serão ministrados pelo Senai, sob a vigilância do MPT, que fará sua primeira avaliação já em janeiro de 2013. A usina também está impedida de contratar trabalhadores estrangeiros para funções que não envolvam assistência técnica ou transferência de tecnologia.